HUMOR: Entrevista imaginária com a Polícia Carinhosa
O encosto de Nelson Rodrigues andou rondando por aqui nos últimos dias, e eu quase convoquei a cabra vadia e o terreno baldio para dizer, à meia-noite, coisas que não se dizem nem ao médium depois de morto. Depois percebi que eu corria o risco de parecer Arnaldo Jabor --um desses destinos piores que a morte-- imitando NR e dispensei a cabra, o terreno e a meia-noite.
Mas resolvi fazer uma entrevista imaginária, que diz coisas tão mais verdadeiras que as reais (a melhor entrevista da Susan Sontag, por exemplo, é uma que o Paulo Francis inventou). E qual seria o tema senão as manifestações que ELETRIZAM o Bananão, esta república federativa cheia de árvores e de gente protestando?
Pensei primeiro em chamar a moçada do Passe Livre pra saber de onde eles pretendem tirar a grana pro ônibus gratuito (R$ 6 bilhões/ano, 14% do Orçamento paulistano) --mas intuí que seria do mesmo lugar de onde o Bátima Feira da Fruta tira seu escudo. Quis saber também se há quem creia de verdade que quebrar metrô em Essepê é igualzinho a derrubar o Muro de Berlim, mas me vi na contramão da história: até a grã-fina das narinas de cadáver virou bolchevique no Facebook, e Gloria Kalil assegura que protesto é TEMDÊMSSIA.
(Sim, sei que a pauta mudou: agora é contra tudo isso que está aí. Ou uma metamanifestação, o protesto pelo direito de protestar. Tá certo, maiorrrapoio, joinha procês tudo. Na próxima, levarei vinagre balsâmico --ideia de um amigo, pra neutralizar o gás lacrimogêneo com o fedor da burguesia-- e uma máscara do Costinha, porque Guy Fawkes é o cacete, aqui é Braziu, nóis kapota mais num breka.)
Pensei também em entrevistar o Alckmista (estão chegando os alckmistas), Vaiddad (o Bonzinho), Cabral, Agnelo, toda essa gente discreta e silenciosa que manda acariciar manifestante com o bico do coturno. Mas suas claques, reais e virtuais, não caberiam na salinha da entrevista --além disso, os políticos estão todos muito ocupados tentando se apropriar da gloriosa Primavera Brasuca.
Decidi, por fim, ouvir o que tem a dizer o mais polêmico personagem dos últimos dias: a Polícia Carinhosa. O elemento adentrou o recinto com manemolência, ao som de "trago esta rosa, uuuh, para te dar".
Ruy Goiaba - Cês fizeram o couro comer na semana passada. É bonito isso?
Polícia Carinhosa - Negativo. Só oferecemos gentilmente aos manifestantes o mesmo tipo de atendimento dado às comunidades carentes, como massagem gratuita das gengivas com o cabo dos fuzis.
RG - Vocês machucaram gente que protestava pacificamente ou que não tinha nada a ver com a manifestação. Dispararam em gente que filmava da janela. Mais de um jornalista levou tiro de bala de borracha no olho.
PC - Negativo. Foram disparos amigos, para advertir sobre o risco das janelas. Nosso efetivo altamente treinado detectou um cisco no olho dos referidos profissionais e optou pelo uso desse armamento não letal.
RG - Mas bala de borracha cega!
PC - Elimina o problema do cisco, concorda? Assim como a decapitação resolve em definitivo o problema da caspa. Esse pessoal reclama demais, francamente.
RG - Vocês apreenderam até vinagre que o pessoal ia usar contra o gás lacrimogêneo.
PC - Era gás hilariante vencido, mal aí. E vinagre faz mal, amigo. Faz você viver a vida com azedume. Nas próximas operações vamos apreender também o sal, o açúcar e as gorduras saturadas.
RG - Chuchu beleza. Para encerrar, alguma mensagem para os nossos leitores?
PC - Bombas de efeito moral e o melhor do Carnaval [bombas de efeito moral explodem, entrevistador fica atordoado, elemento se evade encerrando a entrevista].
RUY GOIABA curte muitão protestos de estima e consideração, mas se pergunta sinceramente se a solução pra quem apanha do Estado é mais Estado (a mão que afaga é a mesma que apedreja). E vestirá sobretudo e óculos sem grau nos protestos porque acredita na salvação pelo hipsterismo.
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