Factoides

A excitante vida na cidade de São Paulo

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São Paulo. Viver em São Paulo. Como é a vida na glamorosa e excitante megalópole de 19 milhões de habitantes?


O dia do paulistano começa antes mesmo do sol nascer, com o estridente ruído de alarmes disparando, sirenes de polícia e tiroteios esparsos.


Mas nada disso incomoda o habitante desta vibrante cidade. A maioria dos paulistanos mora em conjuntos habitacionais hermeticamente fechados, equipados com cercas elétricas e portões eletrônicos. Alguns têm até torre de observação com franco-atiradores, mas isso é extremamente impopular: encarece muito o valor do condomínio.


Assim, depois de outra noite intranquila, o paulistano entra no seu automóvel elegantemente blindado para visitar o mundo exterior. Quando os portões do condomínio se abrem, ele ganha as ruas, feliz da vida. E fica preso num congestionamento.


O congestionamento é igual a um estacionamento. A única diferença são os motoboys alucinados que passam zunindo entre os carros. Para onde eles vão? De onde eles vêm? Pra quê tanta pressa? Ninguém sabe. É um dos grandes mistérios desta cidade cheia de enigmas.


O carro rasteja até o primeiro sinal de trânsito. Durante o dia, o paulistano para quando a luz está vermelha e segue quando está verde. À noite, as cores se invertem: ele passa voando no vermelho e freia no verde. Afinal, tem sempre um maluco que passa voando no vermelho.

Crédito: Edson Aran

Enquanto espera o sinal abrir, o carro é cercado por vendedores de chicletes, balas, armas de baixo calibre e mapas desatualizados ("Tem até o Império Austro-Húngaro, mano!"). Pessoas carregando baldes insistem em jogar água no vidro, obrigando o paulistano a fazer elaborados movimentos de mímica para explicar que 1) ele não tem moedas, 2) o carro está limpo e 3) a realidade objetiva é apenas uma ilusão consensual.


Mas então o sinal verdeja e o paulistano prossegue velozmente. A 10 km por hora. Depois de três horas no trânsito, este herói urbano chega ao local de trabalho, que é igual a um condomínio fechado, só que cheio de reuniões improdutivas.


Paulistanos felizes dispõem de restaurante na própria empresa. Isso evita que a fome os obrigue a enfrentar o mundo exterior novamente e prolonga consideravelmente sua expectativa de vida.


Então é fim da tarde. A noite se aproxima com seus muitos prazeres e opções. O paulistano pega a mulher, namorada, esposa ou amante, nunca todas de uma vez, e marca um jantar em algum dos melhores restaurantes da cidade. São Paulo é famosa por sua memorável cena gastronômica, cantada em prosa e verso por poetas e trovadores do mundo todo.


Depois de uma hora dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, o paulistano enxerga um pequeno espaço entre dois SUVs. E é imediatamente assediado por centenas de prestativos guardadores de carro. Este serviço pitoresco está disponível em todas as ruas da capital. Mediante módica quantia (de R$ 10 a R$ 30, pagos adiantado), os guardadores refreiam o impulso de riscar a pintura ou quebrar os vidros do veículo.


No restaurante, é possível apreciar uma infinidade de sabores exóticos, porém harmônicos. A conta corresponde a seis meses de salário do paulistano, mas não importa! É possível parcelar em até 12 vezes no cartão. Estabelecimentos mais liberais aceitam até favores sexuais. Mas só para cobrir os 10% do garçom.


É fim de noite, mas a excitação nunca acaba. Feliz e bem alimentado, o paulistano anda até seu carro. Mas onde está o veículo? Na vaga tem apenas uma van clandestina! Ele liga imediatamente para a polícia, é claro. Em vão. O celular não dá linha. Só resta a ele uma agradável caminhada noturna até a delegacia, tomando todo o cuidado para não virar vítima de um sequestro relâmpago.


Às cinco da manhã, depois de uma excitante noite na delegacia, o paulistano chega em casa. De táxi. O carro dele, devidamente desmontado, já está sendo vendido no desmanche mais próximo, movimentando a vibrante economia desta locomotiva do capitalismo.


Finalmente, ele se joga na cama. E fica fritando até o sol nascer. São Paulo é, afinal, a cidade que nunca dorme. Ela tira o sono de qualquer um.


EDSON ARAN é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Sua série de cartuns "O Totalmente Dispensável Almanaque Inútil do Aran" é publicada mensalmente no "Folhateen". Ele foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.

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