Factoides

Morre Oraldo Grunhevaldo, o último poeta concreto

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Conheci Oraldo Grunhevaldo nos anos 80. Na época, eu era um escritor em início de carreira e ele já era o intelectual renomado, que escrevia na "Ilustrada" e privava da intimidade de Caetano Veloso.


No mundo apressado e ignorante de hoje, talvez o nome de Oraldo Grunhevaldo não toque nenhum sininho na sua cabeça. Mas ele foi um dos pilares do edifício do Concretismo, ao lado dos Irmãos Campos, Décio Piccinini, Pedro de Lara e Ferreira Gullar.


Há, no entanto, quem afirme que Ferreira Gullar e Pedro de Lara eram a mesma pessoa, visto que não existe nenhuma foto dos dois juntos. Eu, particularmente, acho que Haroldo de Campos e Aracy de Almeida é que eram a mesma pessoa. Mas sou uma voz isolada neste acalorado debate cultural.


Naqueles distantes anos 80, o concretismo ainda era incrivelmente conceituado. Só mais tarde, os poetas concretos passariam a ser perseguidos pela carrocinha de cachorro, sendo respeitados apenas pelo Arnaldantunes, embora isso não signifique muita coisa.

Crédito: Edson Aran

Oraldo Grunhevaldo sempre foi um intelectual gentil e atencioso. Quando o conheci, ele interrompeu uma tradução de dez anos de um hai-kai do Bashô só para falar comigo. Lembro-me, até hoje, de suas sábias palavras: "Merda! Vou ter que começar tudo de novo!".


Nos anos que se seguiram, o poeta não parou de produzir seus poemas, enfisemas e dilemas, mas se dedicou a cimentar sua fama de polemista, encrenqueiro e criador de caso. É famosa sua discussão com Bruno Tolentino sobre a poesia de Oswald de Andrade, que só terminou quando a vizinhança chamou a polícia para apartar.


Alinhado com a esquerda, Oraldo Grunhevaldo sempre defendeu o projeto petista, apoiando Lula em 1995, 1999, 2003 e 2007. Isso não resolveu muito, já que as eleições foram em 1994, 1998, 2002 e em 2006.


Seja como for, o intelectual desencantou-se com Lula quando estourou o escândalo do Mensalão. No início, Grunhevaldo defendeu o PT, que considerava vítima de uma conspiração burguesa, mas mudou de ideia quando acessou sua conta corrente e viu que não havia depósito nenhum.


A última polêmica que teve Oraldo Grunhevaldo como protagonista foi em 2010, quando o cantor Chico Buarque ganhou um Jabuti. Na época, a intelectualidade brasileira se dividiu. Metade achava Chico um tesão e a outra metade o achava um gato.


Grunhevaldo entrou na discussão argumentando, ferozmente, que o Jabuti só deveria ser outorgado a quem não tivesse animal de estimação --e Chico já tinha dois: um papagaio fanho e um pequinês marxista. O poeta pedia, ainda, que o cantor lindão devolvesse o Jabuti à natureza. Chico, em resposta, colocou uma coleira no Jabuti e passeou a tarde inteira com ele pelo Leblon.


Mas apesar de suas posições sempre polêmicas, ninguém jamais colocou em dúvida a homérica produção intelectual de Oraldo Grunhevaldo. Seu último trabalho, a tradução de "Finnegans Wake", levou 80 anos para ficar pronta, tendo começado antes mesmo do lançamento do original. Intitulada "Levantaí Finegão", a obra é ainda mais impenetrável e ilegível que o livro de James Joyce, o que faz de Grunhevaldo o melhor tradutor de Joyce de todo o planeta. Quiçá, planetas vizinhos.


Nos últimos anos, Oraldo Grunhevaldo se recolheu à solidão do seu sítio em Santa Ignorância do Mato Alto (MT), onde se dedicou a produzir lindos poemas concretos com areia, argamassa e tijolo. Um desses poemas despencou em cima dele na última semana, justo quando ele ia colocar o ponto final. É por essas e outras que José Saramago é cada vez mais apreciado.


Oraldo Grunhevaldo deixa dois filhos: Vaginalda Grunhevalda, estilista, e Analdo Grunhevaldo, hipster. Suas últimas palavras foram "aaaarrrgggghh!", que muitos consideram ser seu último poema.


Eu sempre me lembrarei de Oraldo Grunhevaldo. Uma vez caminhávamos tranquilamente pelo parque do Ibirapuera, catalogando assaltos, quando ele me perguntou, cheio de sabedoria: "Escuta, quem é esse porra de Arnaldantunes, afinal?".


EDSON ARAN é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Sua série de cartuns "O Totalmente Dispensável Almanaque Inútil do Aran" é publicada mensalmente no "Folhateen". Ele foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.

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