Factoides

Tudo o que você precisa saber sobre desnutridos e pés-rapados

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A irresistível ascensão da Classe C ocorrida nos últimos anos teve uma inusitada contrapartida cultural-comportamental. De repente, lugares bacanas como aeroportos, academias, bares e restaurantes se encheram de desnutridos e pés-rapados. E nós, da classe média cafajeste, ficamos meio ressabiados, pois não entendemos picas de pobre, esse miserável.


Nesta nova e pulsante economia é fundamental entender de pobre. É isso ou subir na mesa cada vez que um deles chegar perto.

Crédito: Edson Aran


É difícil, eu entendo. Só quem gosta de pobre é marqueteiro e marxista. O primeiro porque quer vender pra ele tudo quanto é tranqueira vagabunda. O segundo porque acha que ele odeia tranqueira vagabunda e prefere viver num mundo onde não pode comprar nada.


Tudo errado. Pobre é igual a você e eu, com pequenas e sutis diferenças. Por exemplo: pobre não entende nada de vinho. Em vez de pedir uma garrafa "de tanino bem marcado e retrossabor de baunilha", ele apenas quer um "doce" ou um "amargo". Ou se for final do ano, "um que faz bolhinha".


Pobre acha que entender de vinho é coisa de viado. Obviamente, ele está errado. Entender de cerveja é que é coisa de viado. Cerveja só tem duas: gelada e sem gelo. O resto é coisa de belga, um cara que nunca conseguiu inventar um idioma próprio, mas se vangloria de ter criado a batata frita. Mas vamos mudar de assunto porque a Bélgica é rica e estamos interessados é na Índia, a parte de baixo da nossa Belíndia.


Outra coisa que pobre adora é andar feito barata tonta na 25 de Março, em São Paulo, comprando um monte de roupas pra revender. Se o pobre soubesse das coisas, ele andaria feito barata tonta nas Champs Elisées, em Paris, copiando um monte de roupas. Pra depois revender na São Paulo Fashion Week.


A São Paulo Fashion Week é uma espécie de 25 de Março, só que tem mais mulher desnutrida - o que é um contra-senso, afinal pobre é que não tem o que comer. Mas, por outro lado, quem tem mania de magreza é classe-média. Pobre gosta é de bundão, coxão, peitão.


Ignorante que é, pobre jamais chamaria "alface, água sem gás e sushi" de "refeição". Almoço de pobre é macarronada, feijoada e maionésia (pobre só chama "maionese" de "maionésia").


"Cozinha desconstrutivista", espuminha, restaurante que cobra o olho da cara por um ceviche de tilápia - tudo isso é coisa de classe média. Pobre não entende isso.


Uma coisa que pobre entende é de Facebook (ele chama de "fêici"). Aguarde a escalação do Corinthians daqui 10 anos. Aguarde. Já existe por aí toda uma geração de crianças batizadas de "Feicibúqui". Ou "Feycibuk", pois pobre adora "y" e "k". Se pudessem, eles colocariam "y" e "k" em tudo quanto é palavra. Tipo, "veim k, pq vc num my lygou ontem?". Pensando bem, eles já fizeram isso.


Compreender o pobre é essencial para se dar bem no Brasil de hoje. Veja o Eike Batista, por exemplo. Ele tem mais dinheiro do que todos os usuários do UOL juntos, mas vive fazendo coisas de pobre. Usa peruca, conta vantagem, batiza o filho de "Thor". É por isso que o governo fez um Bolsão Família especialmente pra ele e não faz nada pra você. Bestão.


EDSON ARAN é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Sua série de cartuns "O Totalmente Dispensável Almanaque Inútil do Aran" é publicada mensalmente no "Folhateen". Ele foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.

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