Tony Goes

"Ai, como eu tô metida" poderia ser bordão de ministra

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Não sou muito fã de Valéria e Janete. Acho que o quadro do "Zorra Total" reforça vários estereótipos negativos ao mesmo tempo.

De um lado, uma transexual que se acha lindíssima e ultra-feminina, quando na verdade é medonha e não consegue passar por uma mulher "de verdade". Do outro, uma coitada que é a epítome da burrice: não percebe que é maltratada pela trans, e entende como galanteios as encoxadas que leva no metrô.

Para piorar, a dupla já está perdendo a graça. As situações são completamente previsíveis e o bordão "ai, como eu tô bandida" está prestes a expirar seu prazo de validade.

Agora, exigir que o quadro seja retirado do ar é um pouco demais. Mas foi isto o que fez o Sindicato dos Metroviários de SP, com o apoio de Iriny Lopes, da Secretaria de Política para Mulheres. A ministra era desconhecida da maior parte do público até outro dia, mas agora é figurinha fácil no noticiário.

Crédito: Renato Rocha Miranda/Divulgação/TV Globo Rodrigo Sant'Anna é Valéria (esquerda) que faz dupla com Janete no metrô do "Zorra Total"
Rodrigo Sant'Anna é Valéria (esquerda) que faz dupla com Janete no metrô do "Zorra Total"

Primeiro foi o episódio dos comerciais de lingerie estrelados por Gisele Bündchen. Iriny pediu ao Conar que a campanha fosse retirada do ar. Depois, concordou que o quadro de maior sucesso no "Zorra Total" é ofensivo --não à categoria dos metroviários, mas às mulheres em geral. A notícia nem havia esfriado quando Iriny anunciou que pretende interferir no roteiro da novela "Fina Estampa".

A Secretaria quer que a personagem Celeste (Dira Paes), que apanha do marido, procure a Rede de Atendimento à Mulher, e que o vilão seja encaminhado a um centro de reabilitação. É uma iniciativa louvável: nenhuma outra manifestação cultural brasileira tem a penetração e a capacidade de convencimento que as novelas têm. Também é uma intromissão não-solicitada no trabalho do autor. Fica a dica, senhora ministra: é melhor não criar caso com Aguinaldo Silva.

Vistos em conjunto, esses três casos dão a impressão de que está ressurgindo no Brasil um antigo bicho-papão. Sim, ela mesma, a censura. Mas suas lâminas agora vêm folheadas de correção política, a maneira "in" de fechar a boca de quem não pensa como a gente.

Podemos discutir por dias a fio se os comerciais da Hope ou os programas humorísticos são mesmo perniciosos. Todos os lados da questão têm argumentos válidos, e qualquer discussão é sempre esclarecedora. Mas não dá para aceitar a proibição pura e simples.

Preferia que a decisão fosse deixada nas mãos do telespectador. O controle remoto é muito mais eficaz do que qualquer tesoura. Abusos sempre serão cometidos, mas calar alguém à força é um abuso ainda maior.

Infelizmente, desconfio que pouca gente no governo concorde comigo. Tenho a impressão de que a ministra Iriny Lopes só está esquentando os tamborins, e ainda vai se meter em muita coisa por aí.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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