Tony Goes

MC Diguinho é só um sintoma extremo de uma sociedade machista e conservadora

Funkeiro MC Diguinho vem sendo alvo de críticas em redes sociais por causa da música "Só surubinha de leve"
Funkeiro MC Diguinho vem sendo alvo de críticas em redes sociais por causa da música "Só surubinha de leve" - Reprodução/Instagram
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Tony Goes
São Paulo

Na quarta passada (17), reclamei aqui no "F5" do excesso de bundas na música brasileira. Concordei com Lulu Santos, que tuitou em dezembro de 2017 que a MPB havia regredido à fase anal.

No mesmo dia em que minha coluna foi publicada, "Só Surubinha de Leve" foi removida das plataformas de streaming e das redes sociais. A faixa de MC  Diguinho foi acusada, com toda razão, de incitar o estupro e o assédio sexual. Perto dela, "Popa da Bunda" e outras pérolas calipígias soam como cantigas de ninar.

Foi preciso que "Só Surubinha de Leve" chegasse ao topo da parada Brazil Viral 50 do Spotify e acumulasse mais de 14 milhões de visualizações no YouTube para que eclodisse um movimento liderado pela estudante paraibana Yasmin Formiga, que postou no Facebook uma foto e um texto denunciando o teor incrivelmente machista e violento da letra da música.

A postagem viralizou e, dois dias depois, "Só Surubinha de Leve" desapareceu da internet. Pego de surpresa justo no momento em que sua carreira parecia deslanchar, MC Diguinho teve, a princípio, a pior reação possível.

"A mídia manipulou os pensamentos onde um negro canta funk é apologia ao crime/estupro e etcs, agora beijo gay em novela das 8 é lindo e perfeito aos olhos do mundo e vcs apoiaram essa ideia! Parabéns Brasil! Minha música foi retirada das plataformas digitias. Obg a todos que apoiaram a ideia da mídia manipuladora" (sic), escreveu ele no Instagram Stories.

É exasperante a ideia de que a mídia manipuladora distorce tudo. Afinal, quantas interpretações possíveis tem a frase "taca bebida, depois taca pica e abandona na rua"?

Também é ridículo o vitimismo de clamar a própria negritude. Não é por ser negro que MC  Diguinho está sendo criticado. E pior ainda é a homofobia explícita no ataque ao beijo gay nas novelas.

Depois MC  Diguinho apagou esta postagem. Veio a público pedir desculpas e dizer que não, nunca, jamais diria nem faria nada contra as mulheres. Também remendou a própria música e reeditou o clipe. A nova letra diz "taca a bebida, depois taca e fica, não abandona na rua". Ahã.

Mas não adianta malhar o rapaz como Judas em sábado de aleluia. MC  Diguinho é só um sintoma, não apenas de um sistema, mas de toda uma cultura que glorifica a violência contra as minorias. Sua música foi ostracizada, mas existem milhares de outras pululando na rede, com letras escabrosas e a mais absoluta pobreza musical. E o pior: existe público, muito público para elas.

O curioso é que os movimentos conservadores - aqueles que se levantaram contra obras de arte que supostamente fariam apologia ao estupro e à zoofilia - dessa vez ficaram quietinhos. Os protestos contra MC Diguinho e similares vieram das feministas e de setores mais à esquerda do espectro político.

Conservador, por definição, é quem quer manter as coisas como estão. Neste episódio, ficou bem claro que a opressão e a violência contra a mulher estão entre essas coisas a serem mantidas.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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