Tony Goes

São Paulo precisa descobrir sua própria maneira de realizar a Virada Cultural

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Em 2012, fui escalado pela Folha para cobrir a Virada Cultural de São Paulo. Ao contrário dos outros repórteres enviados pelo jornal ao evento, não me foi designado nenhum palco específico. Minha missão era flanar de um lado para o outro, registrando a vibração do público.

Foi minha primeira Virada, e fiquei encantado com o que eu vi. O clima era de paz e congraçamento, realçado por uma lua cheia que deixava ainda mais lindos os prédios históricos do centro da cidade.

Um ano depois, compareci como espectador comum —e presenciei o caos. A primeira Virada da gestão Haddad ficou marcada por um número enorme de ocorrências policiais, incluindo uma morte.

Na época, comentou-se que a PM (que é ligada ao governo do estado, já então nas mãos dos tucanos) estaria fazendo corpo mole de propósito, para prejudicar a imagem do recém-empossado prefeito do PT.

Mesmo sabendo que inúmeras medidas foram tomadas para aumentar a segurança das edições seguintes, fiquei tão assustado que nunca mais voltei.

Mesmo assim, achei absurda a decisão do prefeito eleito de São Paulo, João Doria, de transferir integralmente o maior evento do calendário cultural da cidade para o longínquo Autódromo de Interlagos.

Porque o propósito da Virada vai além de proporcionar shows gratuitos à população. Uma de suas missões originais é ajudar na revitalização do centrão, tão degradado, tão mal frequentado à noite.

Mas, para muita gente, a sensação é de que um evento assim gigantesco só piora a situação. Ruas que já são sujas e esburacadas ficam absolutamente intransitáveis; o barulho contínuo por mais de 48 horas incomoda demais os moradores que insistem em permanecer na região; e a violência, mesmo que reduzida, ainda é inaceitável.

O que fazer, então?

Experimentar, talvez. Como retificou o futuro secretário da Cultura de São Paulo, André Sturm, a Virada de 2017 terá mesmo seus maiores shows em Interlagos, mas o centro e outros bairros também serão incluídos.

Sim, o risco de coxinhização é grande. Também o de esvaziamento: quanta gente estará disposta a se deslocar até o autódromo, que não é tão bem servido pelo transporte público quanto a região central?

No entanto, como eu disse, acho que a experiência é válida. São Paulo não é Paris, e não adianta querermos reproduzir aqui a Nuit Blanche parisiense (que serviu de inspiração para a Virada Cultural).

Temos que encontrar nossa própria maneira de realizar um evento desses, adaptado às características e aos problemas da cidade.

Se não der certo no ano que vem, sempre existem os anos seguintes.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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