Tony Goes

Por que a política brasileira ainda não é pop?

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Os políticos são bucha de canhão na TV americana. Dão assunto para dezenas de séries e costumam ser vilipendiados nos telejornais.

Eles mesmos não se fazem de rogados: volta e meia algum candidato é o convidado da semana do humorístico “Saturday Night Live”, servindo de alvo para todo tipo de chacota.

O ambicioso casal Underwood, protagonista de “House of Cards” (Netflix), tem um óbvio parentesco com os Clinton. Selina Meyer, a atrapalhada presidente da sitcom “Veep” (HBO), foi declaradamente inspirada em Sarah Palin, que concorreu à vice-presidência dos EUA em 2008.

Enquanto isto, apresentadores como John Oliver ou Stephen Colbert comandam "talk-shows" onde não só dão nome aos bois, como tiram um sarro impiedoso deles, sem medo de serem felizes.

O mesmo não aconteceria por aqui. Perguntado no ano passado por que não existiam programas parecidos na TV brasileira (em matéria publicada pela Folha), Marcelo Tas deu uma resposta sucinta: por causa dos processos.

De fato, nosso conceito de liberdade de expressão é bem diferente daquele que vigora nos Estados Unidos. Por lá, é possível dizer praticamente qualquer coisa, inclusive ofensas raciais, sem represálias legais.

Mas, no Brasil, todo mundo se sente no direito de calar a boca dos outros. Os poderosos, então, se julgam acima do bem e do mal —basta ouvir as gravações liberadas pela operação Lava Jato.

Além disso, os anos do regime militar serviram para afastar boa parte da população de qualquer interesse por política. O curioso é que as quase três décadas de democracia não fizeram muito para reverter este quadro.

A política está quase ausente do “mainstream” da nossa cultura popular. Quando aparece em alguma novela, é sempre de maneira folclórica, sem enfiar o dedo nas feridas atuais.

Basta olhar para “Velho Chico” (Globo). O coronel Saruê (Antonio Fagundes) representa um tipo de caudilho que ainda existe pelo país afora, mas que não é muito diferente do Odorico Paraguaçu de “O Bem Amado” (Globo), de 40 anos atrás.

Nossa música popular, que já foi explicitamente contestadora, hoje está mais interessada em beijar muuuito na balada.

Mas há sinais de mudança no ar. A próxima novela das 21 horas da Globo, escrita por Maria Adelaide do Amaral e Vincent Villari, teve que ser adiada para depois do horário eleitoral deste ano, porque terá um núcleo político.

Só que o simples fato da emissora ter mudado o nome da obra para “A Lei do Amor” mostra que o foco não será exatamente nos bastidores do poder.

De qualquer forma, nossa realidade é muito mais delirante do que qualquer ficção. Se algum roteirista inventasse uma trama com metade do que vem acontecendo na política brasileira recente, ela talvez fosse descartada.

Inverossímil demais.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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