Tony Goes

Caso Maju mostrou que o 'tribunal da internet' também funciona para o bem

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Um dos livros mais interessantes do ano chama-se "So You've Been Publicly Shamed" ("Então Você Foi Humilhado em Público", em tradução livre). Nele, o jornalista britânico Jon Ronson relata casos de pessoas que cometeram algum deslize nas redes sociais e pagaram caro por isto.

Há o caso da moça que perdeu o emprego por causa de uma piada que foi interpretada como racista. O do cara que contou uma gracinha machista para um amigo dentro de um ônibus e foi ouvido por outra passageira, que o fotografou e o expôs na internet. Ele foi execrado socialmente, e revidou: convocou seus amigos para golpearem virtualmente sua carrasca, que, por sua vez, também perdeu o trabalho e a reputação.

Em escala menor, quase todos nós lançamos mão deste mecanismo de vez em quando. Quem nunca se irritou com alguém no Facebook e depois soltou um post narrando o ocorrido, só para conseguir "likes" e comentários favoráveis para si mesmo?


Quando o passo em falso foi dado por alguém famoso, então, coitado dele. Abrem-se as portas do inferno, e o dito cujo começa a receber até ameaças anônimas, às vezes em seu e-mail pessoal.

A internet transformou o mundo numa aldeia global ainda mais compacta do que aquela falada por Marshall McLuhan. Agora todos vigiam a vida de todos. E a nossa mentalidade também é de aldeia: gostamos de castigar os supostos culpados em praça pública, em pelourinhos virtuais, vibrando de sadismo enquanto nos escondemos no anonimato.

É o tal do "tribunal da internet", do qual já falei diversas vezes neste espaço. Capaz de destruir carreiras em poucos dias, por causa de uma frase tirada de contexto ou uma expressão inusitada pronunciada sob o efeito do álcool. Depois o caso é rapidamente esquecido, porque a multidão sedenta de sangue volta suas atenções para outro lado. Mas a essa altura o estrago já foi feito.

Só que nem sempre essas convulsões coletivas são para o mal. O episódio de racismo envolvendo a repórter Maria Julia Coutinho, por exemplo, teve um final feliz, e graças à mobilização na internet.

A moça do tempo do "Jornal Nacional" (Globo) foi xingada dos piores nomes na página do programa no Facebook na sexta-feira passada (3). Pareceu um ataque coordenado: os comentários racistas apareceram todos ao mesmo tempo, mais de cinquenta deles, e vindos de perfis que já não estão mais no ar —provavelmente eram falsos.

Quem está por trás deles? A polícia já está investigando, e as teorias de conspiração não demoraram a surgir. Há quem diga que a própria Globo coordenou a ação, numa tentativa desesperada de alavancar a audiência do "JN". Ou o PT, sempre ele, disposto a ofuscar notícias negativas sobre o governo.

Maluquices à parte, o que realmente interessa aqui foi a reação vigorosa de milhões de internautas. Maju foi defendida por muito, mas muito mais pessoas do que aquelas que a atacaram. A própria jornalista agradeceu o apoio maciço no "JN" daquela noite.

No final das contas, foi um momento bonito para a internet e a TV brasileira, que repudiaram com veemência o racismo. Depois da avalanche de pedradas que presenciamos nos últimos dias, foi legal ver tanta gente se unindo por uma causa indiscutivelmente boa.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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