Tony Goes

Quem será o próximo alvo da patrulha conformista?

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Em 1978, o cineasta Cacá Diegues criou uma expressão que logo se incorporou ao vocabulário corrente: patrulha ideológica. Ele se referia à cobrança que intelectuais e artistas de esquerda faziam em cima daqueles que não transformavam suas obras em peças de oposição ao regime militar. Era o politicamente correto antes dessa outra expressão entrar na moda. E, como todo o politicamente correto, era incorretíssimo.

Os tempos atuais são outros e a esquerda anda meio por baixo. Mas o avanço das redes sociais permitiu que o patrulhamento assumisse uma outra coloração. Ele não tem mais uma ideologia claramente definida, apesar de pender para o conservadorismo. Mas está mais arrogante (e ignorante) do que nunca, e quer impor a todos a opinião de uma suposta maioria. Por isto, eu o chamo de patrulha conformista.

Uma de suas vítimas recentes foi Jô Soares. O apresentador foi vilipendiado na internet e teve até o asfalto da rua onde mora pichado com ameaça de morte. Tudo isto porque aceitou um convite irrecusável: entrevistar Dilma Rousseff (PT). Podemos até criticar seu desempenho durante a conversa com a presidente, mas execrá-lo pelo simples fato de falar com ela? Ridículo.


Na última semana, dois famosos foram alvos dessa patrulha. Marieta Severo contou, no palco do "Domingão do Faustão" (Globo) do dia 28 passado, que continuava otimista com o Brasil, apesar de toda a crise. Foi um papo ameno, e em nenhum momento a atriz "calou a boca" de seu anfitrião. Mas foi o bastante para ela ser apedrejada virtualmente pela autoproclamada "maioria". Sofreu até insinuações machistas, como a de que continuaria "sob a influência" do ex-marido Chico Buarque.

O outro alvo foi Zeca Camargo. Nem vou me estender mais sobre este assunto, que foi o foco da minha penúltima coluna aqui no "F5". O jornalista só expressou uma sensação comum a muitas pessoas que não conheciam o cantor: um certo espanto com a cobertura exagerada que a morte de Cristiano Araújo recebeu da mídia. Mas soou como um insulto aos fãs e colegas do falecido.


Jô, Zeca e Marieta ousaram ir contra o que seria o pensamento dominante do Brasil neste momento. Digo "seria" porque não há pesquisas sérias que comprovem que estas ideias sejam compartilhadas pela maior parte da população. E, mesmo que o fossem, não existe delito algum em pensar diferente.

Só que, para essa turba, existe sim. Eles se dizem maioria e querem ser unanimidade. Exigem que todo mundo pense como eles, e ai daquele que ousar divergir: vai ser achincalhado, vai ter que pedir desculpas, vai ter a vida transformada num inferno.

Não é novidade que o autoritarismo está gravado no DNA da alma brasileira. Herdamos este traço dos colonizadores, dos escravocratas, dos coronéis. Preferimos xingar e calar o outro do que conversar sem levantar o tom de voz. E, pelo jeito, preferimos continuar burros.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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