Antônio Abujamra era mesmo Ravengar, e muito mais
Morreu Ravengar. Aposto que foi esta a reação de 9 entre 10 pessoas que ficaram sabendo da morte de Antônio Abujamra, 82, nesta terça-feira (28), em São Paulo.
Dono de uma das mais sólidas carreiras no teatro, no cinema e na TV brasileiros, Abu (como era chamado por amigos e discípulos) foi muito mais, é óbvio, do que seu personagem mais querido pelos telespectadores.
Comandado por Abjuramra, 'Provocações' desta terça irá ao ar
Mas Ravengar, o bruxo da novela "Que Rei Sou Eu?", colou nele de tal modo que acabou se misturando com sua própria persona. Porque Abu era mesmo um pouco bruxo.
Dirigia, atuava e apresentava o programa de entrevistas "Provocações" na TV Cultura. Tinha uma imensa cultura, e a generosidade de compartilhá-la com os demais. Suas tiradas irônicas não conseguiam esconder seu coração.
E ainda teve a sorte de encontrar um personagem que entrou para a história da TV. Não é pouco, não: dezenas de atores talentosíssimos passam a vida fazendo papéis em novelas de que ninguém vai se lembrar.
Só que "Que Rei Sou Eu?" foi uma novela especial. Foi a primeira produção no gênero "capa e espada", com galãs de mangas bufantes e donzelas em perigo, a ser produzida no horário das 19h da Globo em quase 20 anos.
O estilo praticamente inaugurou nossa teledramaturgia. Histórias que se passavam em tempos e lugares distantes, sem nada a ver com a realidade brasileira. Faziam um certo sucesso, até que a TV Tupi lançou "Beto Rockefeller" em 1969. Passada em São Paulo, nos tempos (então) atuais, foi uma verdadeira revolução.
Glória Magadan, a autora cubana responsável por títulos melodramáticos como "A Ponte dos Suspiros" ou "A Gata de Vison", foi defenestrada da Globo e substituída por sua aluna Janete Clair, que enveredou pelos temas contemporâneos.
O "capa e espada" caiu em desgraça, e ficou na geladeira por quase duas décadas. Foi preciso que Cassiano Gabus Mendes o ressuscitasse com uma novela que também foi um pouco revolucionária para sua época.
"Que Rei Sou Eu?" falava do fictício reino de Avilan, uma metáfora para o Brasil. Lá como cá, grassavam a corrupção, a incompetência e a luta pelo poder.
E no epicentro dessa intriga estava Ravengar, meio inspirado numa eminência parda do regime militar —o general Golbery do Couto e Silva. Ravengar era um feiticeiro inescrupuloso a serviço da histérica rainha Valentine (Tereza Rachel, também num papel que a marcaria para sempre).
Malvado, com os cabelos arrepiados, Ravengar antecipou em quase uma década os magos da série "Harry Potter". E tornou Antonio Abujamra conhecido por um público muito maior que o de suas peças.
Ravengar não morreu. Enquanto houver as reprises do canal Viva e as nossas memórias afetivas estiverem funcionando, ele continuará vivo. E Abu também, claro.
Relembre uma previsão do bruxo Ravengar para um certo país sul-americano.
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