Tony Goes

Boicote evangélico a 'Babilônia' é tão trágico quanto ridículo

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"A cena já estava gravada quando, uma semana antes, um menino foi morto pelos amigos da escola por ser adotado por um casal gay. Não vi ninguém escandalizado, não vi ninguém contestar e buscar culpados para a formação daquelas crianças, que mataram um colega de escola. E vão se escandalizar com o beijo casto de duas atrizes experimentadas de quase cem anos de idade?"

Pronto. Durante uma entrevista ao blog "Quanto Drama!", hospedado no site da revista "Veja São Paulo", Fernanda Montenegro pulverizou com apenas três frases o boicote à novela "Babilônia" (Globo) proposto pela Frente Parlamentar Evangélica, e ainda expôs a hipocrisia de seus membros.

De fato, nenhum congressista evangélico se manifestou a respeito do crime homofóbico ocorrido num colégio público em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, algumas semanas atrás. Mas foram céleres em condenar o beijo —na verdade, um selinho prolongado— entre duas senhoras na estreia da nova trama de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga.


Muito provavelmente, o fato de duas grandes damas das artes cênicas terem protagonizado o beijo contribuiu para aumentar o escândalo. Porque, ao fazerem a cena, as duas estão avalizando com seu prestígio e talento um comportamento condenado por quem ainda tem a cabeça na Idade Média.

E não podemos esquecer o detalhe de serem duas senhoras de uma certa idade. Já não lidamos bem com a sexualidade das pessoas mais velhas em geral; o que dizer então da homossexualidade?

A polêmica fica ainda mais ridícula quando percebemos que Estela e Teresa são praticamente as heroínas da novela. Íntegras, honestas, amorosas, não têm nada da vilania que se espalha por vários dos outros personagens.

Mas é justamente o amor e a sabedoria delas que choca os reacionários. Porque a serenidade que elas conquistaram vai contra tudo o que pregam os fundamentalistas. Para eles, ser gay é carimbar o passaporte para o inferno. Um casal do mesmo sexo que vive feliz e bem ajustado é um incentivo para quem ainda está no armário se revelar.

Só quero ver o escarcéu quando Aderbal Pimenta, o político corrupto interpretado por Marcos Palmeira na mesma novela, puser as manguinhas de fora. Envolvido com falcatruas, o personagem também é um evangélico de araque. Em quem será que a carapuça vai servir?

Enquanto isto, já tem deputado pregando boicote também aos patrocinadores de "Babilônia". Claro que é da boca para fora, e as chances de dar certo são mínimas. Mas que sejam coerentes, e boicotem também o Twitter e o Facebook. Afinal, essas redes sociais apoiam abertamente a causa LGBT.

Mas para quê coerência, se a intenção é mesmo atordoar o eleitorado?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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