Tony Goes

Alta sociedade que inspirou 'O Rebu' não existe mais

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Na primeira versão de "O Rebu" (Globo), Tereza Rachel interpretava Lupe Garcez, uma personagem descaradamente baseada em uma pessoa real: Beki Klabin, a primeira socialite a desfilar numa escola de samba.

Lupe foi rebatizada de Vic na versão atual da novela e agora é feita por Vera Holtz. Mas não mudou só de nome. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas será mera coincidência.

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Meu ponto: foi-se o tempo em que havia socialites famosas o suficiente para serem retratadas na TV. Sim, hoje em dia há figuras folclóricas como Narcisa Tamborindeguy ou Beth Szafir, que poderiam inspirar personagens do núcleo cômico. Mas são apenas mulheres ricas. Não existe mais a alta sociedade, pelo menos a que existiu até os anos 80. Como num "remake", mudou tudo: roteiro, direção e elenco.

O que eu chamo de "alta sociedade" era um grupo de pessoas que tinha mais do que dinheiro: tinha "berço". Achavam-se "bem-nascidas" (até este termo sumiu de circulação). Frequentavam os mesmos clubes e colégios, casavam-se entre si e reproduziam-se em cativeiro. Eram quase sempre de distante origem portuguesa ("quatrocentões", como se dizia em São Paulo), com um sobrenome francês ou inglês aqui e ali.

Apesar deste encastelamento, foram mudando de perfil ao longo do século 20 à medida que algumas famílias de imigrantes iam enriquecendo: primeiro os italianos, depois os árabes e os judeus. Curiosamente, os japoneses nunca foram admitidos nas altas rodas - não sei se porque a própria comunidade se isolou até a terceira geração, não sei se por racismo dos demais. Os negros nem passaram perto, por causa do apartheid social que perdura até hoje no Brasil.


O "high society" era um produto cultural influente. As colunas sociais eram lidas por todas as classes. Um samba popular até citava Teresa (Sousa Campos) e Dolores (Guinle), grandes damas da época.

Na Folha havia Tavares de Miranda, que escrevia coisas como "a noite transcorreu sobre carretéis". No Rio, firmaram-se o elegante Zózimo Barroso do Amaral - tão importante que ganhou até estátua no Leblon - e o impagável Ibrahim Sued, que, mesmo cometendo erros atrozes de português, conseguia emplacar expressões como "geração pão com cocada".

Nos grandes jornais cariocas e paulistanos, o que era o colunismo social hoje em dia foca mais na política e na economia, ou simplesmente desapareceu. As razões são inúmeras.

Antes de mais nada, o dinheiro mudou de mãos. Muitos dos ricaços de antanho agora são "nouveaux pauvres", enquanto que cantores sertanejos, jogadores de futebol e empresários de áreas inusitadas são os novos grã-finos (outra palavra que saiu de moda). A indústria das celebridades explodiu, e hoje em dia qualquer um se julga no direito sagrado à fama instantânea.

Também mudou a cultura. Atualmente somos um país mais democrático, e pega mal ostentar privilégios. Ainda assim, o colunismo social à moda antiga persiste pelo Brasil adentro, onde figuras como Lucas Celebridade cobrem a mais finíssima maionese ainda servida nos convescotes locais. Causam impacto regional, mas viram motivo de chacota nos grandes centros.

Porque o que era tido como alta sociedade evaporou feito o gás de uma champagne esquecida aberta. O que sobrou, não rende mais novela.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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