Tony Goes

"Lado a Lado" está linda, mas meio chocha até agora

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Imagine um Brasil sem samba, futebol ou favelas. É neste país irreconhecível que se passa "Lado a Lado", a novela das 18 horas que a Globo estreou segunda-feira passada (10).

O começo do século 20 não tem grandes marcos na história brasileira: a abolição e a República haviam sido proclamadas no final do século anterior, e a Primeira Guerra Mundial ainda estava a uma década de distância. No entanto, foi um período crucial para a construção da identidade cultural que compartilhamos até hoje, com o advento dos três elementos citados acima e de muitos outros.

O Rio de Janeiro enfrentava a fúria do "bota-abaixo", o projeto da prefeitura para "sanear" o centro da cidade de seus infectos cortiços. Muito louvável, não fosse por um detalhe: não havia plano algum para realojar as pessoas que viviam nesses lugares.

Sem ter para onde ir, esses desafortunados acabaram construindo barracos nas encostas dos morros, dando origem às primeiras comunidades. Este processo turbulento, poucas vezes contemplado pela nossa dramaturgia, é o contexto da trama de João Ximenes Braga e Cláudia Lage.

Uma ótima ideia para uma novela de época. E uma oportunidade maravilhosa para a Globo dar mais um show: os cenários, os figurinos e, principalmente, a fotografia de "Lado a Lado", estão primorosos. É inegável que a chegada do HD impulsionou um avanço e tanto na luz nas produções da emissora.

O elenco também está muito bem escolhido. Camila Pitanga e Lázaro Ramos repetem a química que já exibiram outras vezes. Patrícia Pillar encara com bravura mais uma vilã. É um alívio saber que Thiago Fragoso está recuperado do acidente que sofreu em janeiro, durante o musical "Xanadu". E uma delícia ver Christiana Guinle, uma atriz fantástica ainda pouco aproveitada pela TV.

Crédito: João Cotta/Divulgação TV Globo Camila Pitanga é Isabel, e Lázaro Ramos, Zé Maria, em "Lado a Lado"
Camila Pitanga é Isabel, e Lázaro Ramos, Zé Maria, em "Lado a Lado"

Na trilha sonora, uma aposta ousada: o produtor Mariozinho Rocha selecionou canções contemporâneas para embalar os conflitos de mais de 100 anos atrás. Uma luta de capoeiras foi pontuada por música eletrônica, causando um ligeiro estranhamento - mas também um resultado eficaz.

Só que, mesmo com tantos ingredientes de qualidade, a receita ainda não está no ponto. Os dois primeiros capítulos foram mornos, sem grandes arroubos de emoção. A audiência se ressentiu: "Lado a Lado" estreou com média de 18 pontos, a mais baixa do horário nos últimos anos.

A chapa começa a esquentar a partir de hoje. Zé Maria (Lázaro Ramos) irá preso por tentar impedir a derrubada do cortiço onde mora, deixando a noiva, Isabel (Camila Pitanga), esperando no altar. Mas será o suficiente para levantar os índices?

E há um desafio ainda maior pela frente. Além da propaganda eleitoral para o segundo turno em muitas cidades, outubro também traz o começo do horário de verão. Mais gente na rua até tarde, menos gente em frente aos televisores.

"Lado a Lado" corre o sério risco de interromper o ciclo de produções bem-sucedidas em sua faixa, tanto de crítica quanto de público (a exceção, para mim, foi a recém-terminada "Amor Eterno Amor", que achei péssima, apesar de ter ido bem no Ibope). Se isto acontecer, será uma pena: uma fase tão rica da nossa formação nacional merecia uma novela que entrasse para a história da TV.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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