Como seria um filme de Woody Allen no Brasil?
As luzes do cinema se apagam. Surgem na tela as conhecidas cartelas com fundo preto e letras brancas. Os nomes do elenco misturam astros americanos e brasileiros. Durante os créditos de abertura ouvimos "The Girl from Ipanema", na clássica gravação de Astrud Gilberto. Assim começa "Rio is for Real" (algo como "O Rio é para Valer"), o filme que há anos Woody Allen ameaçava rodar no Brasil.
O próprio Woody faz um dos papéis principais: ele é Shlomo Rosenthal, crítico de jazz aposentado que vem à Cidade Maravilhosa para conhecer "in loco" os lugares míticos da bossa nova. O Beco das Garrafas, o bar do Veloso, a rua Nascimento e Silva, 107, estão todos no seu roteiro.
Quem o ciceroneia é Tadeu, um jornalista free-lancer que se diz influenciado pelo estilo de Shlomo e o contatou pelo Facebook. É interpretado por Wagner Moura, o que divide opiniões: uma parte do público adora como ele imita direitinho Woody Allen, com todos os tiques e achaques, e a outra parte odeia.
Mas a viagem de Shlomo não começa bem. Ele tem sua mala extraviada no aeroporto, é sacaneado por um taxista que o leva para a zona sul via Petrópolis e ainda tem o passaporte e a carteira roubados assim que chega ao hotel. Quem o salva é uma carioca típica, Conchita (Penélope Cruz), que se apieda do gringo e o acolhe em sua casa.
Lá, o pobre Shlomo sofre com os avanços da mãe da moça, a ainda fogosa Guadalupe (Sonia Braga), e também com as tiradas sarcásticas da vovó Concepción (Fernanda Montenegro). Para piorar, o noivo de Conchita, Ramón (Rodrigo Santoro), ameaça matá-lo por ciúmes, apesar de estar tendo um caso com a mulata Dagmar (Beyoncé).
Depois de muitas correrias e mal-entendidos, tudo termina no Sambódromo, onde Shlomo precisa desfilar de baiana para escapar de seus perseguidores.
Claro que esse roteiro é pura elucubração minha. Woody Allen já declarou em entrevista a Fernanda Ezabella que "ficou muito impressionado" com o Rio --cidade, aliás, onde jamais pôs os pés.
Mas nem as promessas de patrocínio do governador Sérgio Cabral ou as garantias de segurança para a equipe conseguiram convencê-lo. Seu próximo filme será rodado entre Nova York e São Francisco.
E mesmo que Allen desembarque por aqui, é bom não esperarmos mais do que uma visão estereotipada do nosso país. Vejamos o que ele fez com a Itália em "Para Roma com Amor", atualmente em cartaz. A principal canção da trilha sonora é a manjadíssima "Volare", de 1958. Os protagonistas são quase todos feitos por atores não-italianos. E algumas das tramas paralelas poderiam se passar em qualquer lugar do planeta.
É até previsível que um diretor americano apele para clichês, ainda mais em se lembrarmos que ele só conhece o Rio através da música (Woody é fã declarado de Tom Jobim). Fora que o temperamento ensolarado e desinibido da cidade tem mesmo pouco a ver com as neuroses do diretor. Ele provavelmente se identificará mais com Buenos Aires, que também está em sua lista de possibilidades.
E como seria um filme de Woody Allen rodado na Argentina? Ele faria Akiva Goldberg, bibliotecário aposentado que viaja ao país para receber a herança de uma tia que nem conheceu: uma casa de tangos. Mas cai na lábia de um vigarista portenho (Ricardo Darín), até ser salvo por uma bailarina do Teatro Colón (Penélope Cruz), e assim por diante.
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