Renato Kramer

'Até os 9 anos eu queria virar homem', confessa Regina Duarte

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"Eu acreditava na lenda que se passasse embaixo do arco-íris a gente trocava de sexo e eu era louca para virar homem", confidenciou Regina Duarte no "Persona Em Foco" (Cultura) da última terça-feira (27).

"Eu gostava muito da liberdade que os meninos tinham. Então eu tinha uma turma de moleques e aprendi com eles todas as artes da molecagem", relembrou a atriz. "Devo até ter matado passarinho, mas a minha censura interna não me deixa lembrar. Mas naquela época não era pecado, tinha muito passarinho ainda", descontrai Regina.

Ainda menina, Regina começou a escrever pequenas crônicas que eram publicadas no jornal "Diário do Povo". Já adolescente tornou-se repórter do mesmo jornal e teve a incumbência inesquecível de entrevistar "o gato do século", diz a atriz, o astro do cinema Alain Delon. Em francês e tudo!

Regina fez a sua estreia no Teatro do Estudante de Campinas em 1961, fazendo um palhaço no "Auto da Compadecida" (Ariano Suassuna). Em 1969 voltaria a ter contato com a mesma trama, então levada ao cinema por George Jones, vivendo o papel de Nossa Senhora, vivido por Fernanda Montenegro na versão de Guel Arraes, em 2000.

"Fiz curso de declamação, ballet, violão, corte e costura... As mulheres daquela época se preparavam, entendeu?", respondeu a Ritinha de "Irmãos Coragem" (Globo, 1970) para a atriz Amazyles de Almeida, que ajudou na entrevista e pediu para Regina declamar algo. "Eu já declamei algumas vezes na televisão, vocês até já devem ter visto", conta, antes de declamar um pequeno trecho do poema "A Rua das Rimas", de Guilherme de Almeida.

Já em São Paulo, Regina é chamada pelo então diretor de novelas da extinta TV Excelsior Walter Avancini para fazer um teste, devido a um comercial que a atriz fizera de uma geladeira da marca Frigidaire. "Fiz o teste e ele me mandou já tirar as medidas para o figurino e quando eu peguei os primeiros capítulos, vi que eu ia fazer uma prima do Tarcísio Meira! "Morram com essa, porque eu morri!", brinca a atriz, que viveu a Malu de "A Deusa Vencida" (1965) em sua estreia na televisão.


"Dois meses depois de entrar para a televisão o [diretor] Antunes Filho já tinha me chamado para fazer a Bianca na 'Megera Domada' [William Shakespeare]". conta a "Minha Doce Namorada" (Globo, 1971). Em depoimento, Antunes Filho homenageia a atriz, queixa-se por ela tê-lo abandonado ("eu podia te ver na televisão, eu sei, mas eu acho novela muito chato") e agradece pelas suas belas atuações em "A Megera Domada"(1965) e depois em "Black-out" (1967).

Tarcísio Meira aparece também para dar o seu testemunho de amizade e admiração pela colega de primeira novela: "Você foi minha namoradinha em "A Deusa Vencida", mas depois nunca mais trabalhamos juntos, comentou Tarcísio. Eva Wilma, que trabalhou com a atriz nas duas peças dirigidas por Antunes Filho, também deixou a sua mensagem de carinho apreço por Regina, tratando-a como 'minha irmãzinha mais nova'.

Na sequência, em 1969, Regina viveu a jovem Julieta de "Romeu e Julieta" (William Shakespeare) sob a direção de Jô Soares, que também fez questão de dar o seu depoimento. "Regina era uma Julieta maravilhosa. Menina ainda, mas já de um talento fantástico. A Regina Duarte era a Julieta que todo o diretor sonha ter!", elogiou o comediante.

Quanto à alcunha de "namoradinha do Brasil", a atriz Narjara Turetta, que também a entrevistava, quis saber se isso por acaso chegou a incomodá-la. "Demorou para eu ser chamada assim. Os papéis foram se repetindo, sempre os mesmos, aquela menina doce, suave... O que começou a acontecer é que num determinado momento eu senti que as pessoas não me viam mais. Elas viam um personagem que já estava cristalizado em tudo o que eu fazia", relata a Simone que fez o Brasil literalmente parar para ver o seu enlace com Cristiano (Francisco Cuoco) no capítulo final de "Selva de Pedra" (Globo, 1972).

E explica: "Então começou a me dar uma certa angústia porque eu queria fazer outras coisas, eu queria ser outras mulheres, eu queria viver outras vidas". Mesmo assim, Regina tinha certos pudores: não aceitou participar da peça "Hair", nem do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos" por causa das eventuais cenas de nudez. "Eu achava que eu não estava preparada pra isso, em função da formação que eu tive e achava que eu não precisava expor a minha nudez, porque eu não ia nem conseguir fazer direito", afirma a "Malu Mulher" (Globo, 1979).

O autor Lauro César Muniz também trouxe o seu abraço em vídeo, ele que escreveu "Carinhoso" (Globo, 1973) na qual Regina viveu Cecília que lhe rendeu o Troféu Imprensa de Melhor Atriz, e depois, em 1999, escreveu a série "Chiquinha Gonzaga", em que Regina e Gabriela Duarte trabalharam juntas. "Gabriela herdou o DNA de Regina Duarte", afirmou Muniz.

Em 1975, já almejando distanciar-se da imagem da "namoradinha do Brasil", Regina fez uma prostituta na peça "Révéillon" (Flávio Márcio). Em 1978, despertando cada vez mais para o "ser social' e seu papel na sociedade, Regina realizou o espetáculo "O Santo Inquérito" (Dias Gomes).

Glória Menezes, a poderosa Laurinha Figueiroa, aparece no vídeo para homenagear Regina e lembrar dos bons tempos de "Rainha da Sucata" (Globo, 1990). "Estou com saudades, precisamos trabalhar juntas de novo!", confessou Glória.

Quanto ao sucesso fenomenal da Viúva Porcina em "Roque Santeiro" (Globo, 1985), Amazyles quis saber se a atriz teve alguma identificação com a personagem. "Olha, acabei me identificando muito...e percebendo em mim um lado que eu desconhecia. Eu nunca imaginei que eu tivesse em mim aquela mulher!", confessa a maior estrela da televisão brasileira.

"Toda a vez que eu vou ficando confortável, eu vou buscar o que se chama de desafio, eu chamo de novos aprendizados... Essa inquietude eu herdei do meu pai", diz a mais Helena de todas as Helenas de Manoel Carlos.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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