Renato Kramer

Beatriz Segall baixa a Odete Roitman e dá bronca em estudantes de teatro

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"Quando saí de casa para o meu primeiro ensaio de teatro e meu pai disse que eu estava lhe dando um grande desgosto eu aprendi uma coisa muito importante: não falar nada!", declarou a atriz Beatriz Segall no primeiro episódio do "Persona Em Foco" (Cultura), apresentado por Atílio Bari, na última terça-feira (30).

A atriz contou que já dava aulas de francês no Brasil quando resolveu fazer um curso de teatro na Sorbonne, em Paris, com os atores da Comédie Française.

"Minha mãe descobriu que eu ia para a França estudar teatro porque eu sou muito distraída", relembra Beatriz. "Eu costurava e estava fazendo para mim um casacão de lã —isso no Rio de Janeiro! Minha mãe não conseguiu entender porque eu estava fazendo aquilo. Eu expliquei que lá fazia muito frio —pronto, me entreguei".

Ao se referir à peça "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, Segall questiona a plateia formada por jovens alunos de teatro quem já tinha lido o texto. Um ali, outro acolá levantaram a mão timidamente. Baixou a Odete Roitman, a sua lendária vilã de "Vale Tudo" (1988), em Beatriz: "Isso é uma vergonha! Vocês querem fazer teatro e não lêem teatro? Como vocês podem querer fazer uma coisa que não conhecem? Vocês têm que conhecer, e é conhecendo essas peças, é conhecendo o que é o trabalho de ator, de personagens, o que são os textos, a evolução desses textos —é que vocês aprendem a ser atores. Se vocês não fizerem isso vocês nunca serão atores", ataca.

E não deixou barato: "O autor é Arthur Miller. Sabem quem foi Arthur Miller?". Silêncio geral. Risadas nervosas. "Foi um grande autor americano. Foi marido da Marilyn Monroe. Agora vocês sabem?!", arrematou Beatriz.

Crédito: Luciana Whitaker/Folhapress A atriz Beatriz Segall em seu apartamento no Leblon
A atriz Beatriz Segall em seu apartamento no Leblon

Em Paris, Beatriz conheceu Maurício Segall, que também estudava com bolsa de estudos na França. "Ele voltou para o Brasil antes de mim. Na sua última noite em Paris fomos jantar juntos e na despedida eu lhe falei: Na próxima vez que você vier a Paris, dê uma voltinha aqui nessa praça e lembra de mim! Aí o bobo virou pra mim e disse: Quem sabe voltamos juntos? Pronto, casou ali!", relata atriz com muito humor. "No dia seguinte comecei a comprar o enxoval. Voltei de lá noiva", conclui.

Ao voltar, Beatriz se casou e fez uma pausa de 14 anos em sua carreira. "A verdade é que eu era muito dividida entre a vontade de fazer uma carreira e a vontade de fazer uma família", confessa. Até que um dia o diretor Zé Celso Martinez Correia (Teatro Oficina) a convidou para substituir uma atriz no espetáculo "Andorra". "Eu fui e fiquei —era dia 1º de novembro de 1974", lembra.

Em plena ditadura militar, o casal Segall comprou os direitos de gestão do Theatro São Pedro e lá criou uma espécie de reação ao regime, segundo a atriz. "Todas as peças que nós fazíamos lá tinha uma razão de ser, a intenção era falar de liberdade. E de uma maneira que a censura não podia impedir porque não era nada ofensivo, não era nada totalmente declarado —mas era talvez o único ponto de reação mesmo na cidade de São Paulo", relata Beatriz.

"Porque o São Pedro encerrou as atividades, como acabou?", perguntou Nilu Lebert, que ajudou a conduzir a entrevista ao lado de Paulo Pélico.

Acabou porque nós gastamos muito dinheiro lá e foi havendo um certo desgosto e cansaço porque nós não tivemos nenhum apoio. Nem de jornal, nem da classe teatral, nem dos críticos. Chegou num ponto que a gente não aguentou mais", confessou Segall, cujo marido chegou a ser preso no período por motivos políticos.

Alguns depoimentos de colegas e diretores foram colocados no decorrer do programa. O diretor José Possi Neto participou de um deles e contou um fato que caracteriza, segundo Possi, a maneira de ser excessivamente sincera da atriz. Ensaiando o monólogo "Lillian" (William Luce) na casa da atriz em Campos do Jordão (SP), um dia foram ambos a um mercadinho quando se aproximou um rapaz e perguntou se podia pedir um autógrafo para Beatriz. Ela se virou e perguntou rapidamente: "Como é meu nome?". O rapaz respondeu de pronto: "Odete Roitman". "Não sou eu", retrucou Segall, saindo sem dar autógrafo nenhum.

Em outro momento, é mostrada uma cena da antológica Odete Roitman discutindo com a sua filha Helena, a atriz Renata Sorrah. E na sequência, a própria Renata aparece no telão para dar o seu depoimento de admiração à grande atriz. "Como você fez lindamente aquele papel! Aquela novela foi encantada pra mim e pra todo o mundo. Eu acho que a gente arrasou: você como Odete Roitman e eu como Heleninha Roitman!", encerrou Sorrah. Segall não teceu um só comentário sobre a cena nem sobre o depoimento de Sorrah.

Quanto ao mercado de trabalho para os atores da sua faixa etária, Segall declara abertamente: "Não está fácil, não. Tenho trabalhado, mas não muito. Na televisão, certamente, os mais velhos vão perdendo a vez. Quando uma emissora tem uma boa atriz de idade, é ela que sempre faz esse tipo de personagem. Em geral, quando a gente vai ficando mais velha, vai perdendo espaço", arremata.

No final, a plateia teve a oportunidade de fazer perguntas para a atriz. Um estudante de jornalismo quis saber quais eram os planos de Beatriz para o futuro. "Eu lá tenho futuro?", retrucou a grande dama das artes cênicas do alto dos seus 88 anos de idade.

Uma mensagem para os futuros atores? "Leiam!", sugeriu Beatriz Segall.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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