Renato Kramer

A Virada que eu vivi

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Eram 10h em ponto quando eu já estava a postos nos bastidores do palco São João da Virada Cultural de São Paulo 2015 para apresentar o Tremendão Erasmo Carlos. Quanta responsabilidade!

Sem ficha nenhuma, sem texto prévio, fui logo tratando de armar na cabeça algumas palavras que dessem a exata medida da importância do "amigo de fé, irmão camarada" do rei Roberto Carlos na criação do que veio a se tornar um grande movimento de música pop nacional. Além do mais, Erasmo era um dos apresentadores do programa Jovem Guarda na TV Record, ao lado de Roberto e Wanderléa.

Segundos antes de me dirigir ao microfone um dos componentes do estafe do Tremendão chegou ao meu lado e perguntou se era eu quem ia apresentá-lo. Confirmei que sim e ele me disse enfaticamente: "Só não fale em Jovem Guarda, ele não quer". Fiquei internamente surpreso, mas permaneci frio por fora pois já era hora de começar.

Tratei de substituir o texto que tinha elaborado mentalmente sobre o tema e apresentei-o ressaltando as qualidades do "Gigante Gentil" como compositor e grande roqueiro – que são absolutamente verdadeiras. Mas fiquei pensativo depois sobre esse fato. O palco São João esse ano foi especialmente organizado para comemorar os 50 anos de Jovem Guarda. Por que não citar "Jovem Guarda"? E mais ainda pela exigência ter vindo de um dos maiores envolvidos na criação do movimento... Boiei!

Na sequência, Erasmo e sua banda deram um show. Talvez pelo horário, não tinha muita gente para ver o Tremendão. E a "Festa de Arromba", hino da Jovem Guarda, nem fez parte do repertório do cantor.


Como tinha que alternar com a apresentação dos cantores do palco Arouche, fui logo para lá. Então, às 11h, já estava apresentando o grande Agnaldo Rayol. Esbanjando voz e simpatia, Agnaldo era só gentileza.

Ao meio-dia seria a vez de apresentar duas cantoras que marcaram presença na Jovem Guarda: a doce Martinha e o furacão Vanusa. Ambas com características totalmente diferentes, mas de grande importância para o movimento da música jovem que embalou o Brasil nos anos 60/70.

O "queijinho de Minas", como carinhosamente ficou conhecida a princesinha da Jovem Guarda Martinha entrou em cena cantando a canção que o rei fez em homenagem ao movimento: "Jovens Tardes de Domingo". Estava plena e foi muito bem recebida pelo público. Depois ainda cantou alguns de seus grandes sucessos: "Barra Limpa", que compôs em homenagem a Roberto; a encantadora "Te Amo Mesmo Assim" e a definitiva "Eu Daria a Minha Vida" – todas composições suas, esta última uma das mais belas canções daquele período.

A cantora Vanusa não pôde comparecer. Segundo informações do seu produtor, a cantora teve um mal súbito e foi parar no hospital – mas já está em casa se recuperando. Grande Vanusa, belíssima voz. Sentimos sua falta.

De volta ao palco Arouche apresentei o cantor romântico Gilliard, calorosamente recebido por seu público. Ao retornar ao palco da Jovem Guarda, os "meninos de ouro" (Golden Boys) brilharam com seus inúmeros sucessos em perfeita harmonia vocal.

"Ela é a rainha do exótico – a musa do balacobaco!", foram os adjetivos que me vieram à cabeça para exaltar a exuberância de Maria Alcina, que não deixou pedra sobre pedra na Virada do Arouche este ano. Energia, graça e alegria envoltas em sua voz grave tornaram a sua participação num verdadeiro evento. "Fio Maravilha" marcou presença e abalou Bangu!

Às 16h, já de volta ao São João, o coração pulava pela boca. O público triplicara e a segurança fora reforçada. Era a hora e a vez da Rainha da Jovem Guarda. Tentava me manter centrado, embora me sentisse como quando tinha dez anos de idade e assistia ao programa na televisão em preto e branco e pedia para a minha mãe: "Eu quero ir pra São Paulo!". "Fazer o quê, meu filho?". "Eu quero ver a Wanderléa", respondia, na minha ingenuidade.

Cinquenta anos depois eu estava ali para anunciar o meu ídolo desde a tenra infância. Interessante os caminhos da vida. Procurei não pensar muito para não travar. Consegui. Não gaguejei, não me faltaram as palavras certas. Só me faltou o ar depois que ela me agradeceu com um beijo antes de entrar em cena. Aos dez anos eu ouvia o Roberto Carlos anunciar: "a Ternurinha Wanderléa!". No último domingo (21), na Virada Cultural 2015, fui eu quem a anunciou com as mesmas palavras. As voltas que a vida dá. Uhu!!!

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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