Renato Kramer

'Um papel ruim nunca ficará ruim na minha mão', diz Susana Vieira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Temos que falar para a plateia sobre a miséria que é o HD". Foi com essa declaração que a atriz Susana Vieira, 72, começou sua entrevista para o "Ofício Em Cena" (Globo News) que foi ao ar na madrugada desta quinta-feira (4).

"O HD é uma coisa que foi criada para denegrir a imagem da pessoa. É uma coisa infernal", continuou. "Antigamente, quem era mais pobrinho via televisão num aparelho pequenininho, com aquela antena com um bombril na ponta, um tubo desse tamanho. E a gente era feliz, por que precisa ter HD? Não precisa, gente", desabafa a atriz que começou na extinta TV Tupi, quando se a teledramaturgia era realizada ao vivo e em branco e preto.

A apresentadora Bianca Ramoneda chama a atenção para uma afirmação da atriz sobre orgulhar-se de ser uma operária da teledramaturgia, de nunca ter negado um papel na televisão. Susana explica: "Eu sou funcionária da TV Globo, então, se eu sou escalada para a novela tal, no papel tal, eu não escolho, porque eu sou empregada. A minha função é essa, o meu trabalho é esse. E, se eu falar não, talvez eu possa sair da televisão, o que não me interessa, então eu não recuso papel".

Mas faz uma ressalva: "Se for muito ruim o papel, às vezes acontece, ele nunca vai ficar ruim na minha mão. Eu não vou deixar ele ficar ruim. Mas eu não vou mesmo!", assegurou a atriz. "A nossa vida é assim: um dia você tem três falas, no dia seguinte terá seis, se for bom. Se continuar só com três, dê graças a Deus que ainda ficou", arrematou a protagonista de "Anjo Mau" (1976).


A atriz declarou ser totalmente contra a ideia de que a interpretação da "TV antiga" seja completamente diferente da de hoje —a não ser, é claro, em relação ao avanço tecnológico. "O Lima Duarte já era bom em 1950, e continua sendo bom e representando de uma forma universal", exemplificou Susana.

"Eu nasci em 1942 e só posso ter melhorado como atriz. Eu melhorei pelos autores, pelos diretores, pelos meus colegas, mas a dinâmica não mudou. O ritmo que mudou foram o dos autores. Quase não existe texto para a gente falar hoje. Então, quando a gente pega uma novela do Manoel Carlos, que é primoroso e não está nem aí para o 'timing' exacerbado da televisão atual, ele escreve monólogos enormes, se alguém quiser cortar que corte na edição", disse a atriz, que trabalhou com Maneco em "Mulheres Apaixonadas" (2003), entre outras.

"Eu sei que sou uma das atrizes preferidas do Manoel porque eu costumo decorar o texto dele. Porque você tem que ter muitos anos de cancha para decorar os textos de televisão, que chegam muito em cima da hora. E cada autor tem uma linguagem."

Sobre o seu processo de criação das personagens, Susana simplificou: "Eu cheguei à conclusão que o [Constantin] Stanislavski [criador de um dos métodos de atuação mais divulgados] é um amor, uma fofura e tudo, mas não há necessidade do sofrimento, da procura do sofrimento interno ['memória emotiva', como sugere o método]", avaliou a atriz.

E relembrou o estilo de trabalho do grande diretor Walter Avancini (1935-2001): "Ele queria que você sofresse até a última gota do seu suor pra você fazer uma cena de choro. Ele conseguiu grandes coisas na televisão, e conseguiu fazer atores que nem eram tão bons se tornarem ótimos. Mas eu acho que torturar uma pessoa não serve para nada, nem para o bem, nem para o mal", afirmou a atriz, que foi dirigida por Avancini em "As Minas de Prata" (1966), na extinta TV Excelsior.

"A primeira coisa mais importante do personagem para mim não é nem o texto, nem o diretor, é a figurinista", acrescentou Vieira. "O trabalho do figurinista é sensacional. Quando você chega na sala da figurinista, elas já tem tudo planejado. Então, elas em casa é que bolaram o seu personagem", disse Susana com ênfase.

"Porque ela leu, estudou o personagem e ela imaginou como vesti-lo. Se eu imaginei de um outro jeito, eu não tenho competência para isso, ela vai ter. Se a mulher falar que eu tenho que usar 'tailleur' a novela inteira, eu vou usar com raiva, mas aquilo vai me ajudar. Quando eu visto a roupa, 50% do meu personagem está pronto. Os outros 50% eu divido entre o autor e o diretor", declarou a "Senhora do Destino" (2004).

Sobre o mito que se criou de que a atriz não tem paciência com quem está começando, Susana declarou: "Isso é mentira. Me dou bem com todos os atores jovens, preciso dessa juventude para ser alegre, para ser feliz. Até nos meus casamentos, eu acho que não dá para conviver com gente velha mesmo", concluiu, antes de confessar já se ter perguntado várias vezes se não é sempre ela mesma em suas personagens.

"Eu não sei criar um personagem", confidenciou Susana, mas sugeriu mudar sempre de cabelo: "Mudar de cabelo é muito bom!. A atriz deverá viver a líder comunitária Adis Abeba na próxima novela das 21h da Globo, "A Regra do Jogo", de Emanuel Carneiro.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias