Renato Kramer

Para diretor de 'Provocações', Antônio Abujamra morreu do jeito que queria

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"A cultura brasileira perdeu seu grande provocador: morreu hoje em São Paulo, aos 82 anos, Antônio Abujamra, anunciou com pesar a apresentadora do "Metrópolis" (Cultura) na noite de terça-feira (28).

Foram quase 15 anos de "Provocações", o programa que apresentava na TV Cultura, no qual Abu —como era carinhosamente chamado—, entrevistou artistas, políticos e pessoas que de alguma forma tiveram destaque na sociedade. Todos tiveram de enfrentar bem de perto a sagacidade do grande provocador.

TONY GOES: Antônio Abujamra era mesmo Ravengar, e muito mais

"Rogéria, você que mantém o sobrenome Pinto, o que acha dessas operações em que transexuais extirpam o pinto?", perguntou Abu para o famoso artista travesti. Esse era o espírito de suas entrevistas personalíssimas.

"Formado em Filosofia e Jornalismo, Abujamra começou a carreira como crítico teatral", informou Adriana Couto.

A primeira peça que dirigiu profissionalmente foi "Raízes", em 1961, no teatro Cacilda Becker. "Evidentemente qualquer diretor quando começa a dirigir teatro fica pensando em dirigir todos os grandes textos do mundo", declarou Abu em entrevista de 2003. "Todo o mundo quer dirigir 'Hamlet', Calderón, clássicos franceses... todo o mundo quer dirigir os gregos!", conclui.

Como ator, estreou aos 55 anos de idade fazendo o monólogo "O Contrabaixo", de Patrick Suskind —que apresentou por oito anos seguidos, entre 1987 e 1995), e com o qual ganhou o prêmio de melhor ator de teatro. Mas o sucesso nacional viria em 1989 ao viver o inesquecível bruxo Ravengar da novela "Que Rei Sou Eu?" (Globo), pelo qual recebeu o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor ator de televisão.


Em 1998, Abu ganhou o prêmio Shell de melhor diretor com a peça "O Casamento", de Nelson Rodrigues. "Venham ou não venham! A vida é de vocês, estraguem-na como quiserem", declarou Abu na época. "Ele era um grande homem. Uma das pessoas mais divertidas com quem já convivi. Um grande homem de teatro, acima de tudo", declarou a autora Maria Adelaide Amaral.

Trabalhando juntos em 2000, Paulo Goulart declarou: "O Abujamra é um inovador, uma pessoa muito inquieta. É um poeta, um diretor de teatro que está sempre buscando novos caminhos".

"Na televisão eu já entrevistei mais de 400 pessoas e sempre os melhores entrevistados são os da rua", afirmara certa vez.

Diretor de "Provocações", Gregório Bacic lembra que a pergunta mais antiga que faziam no programa era "como é que você gostaria de morrer? Era perguntado para todos os entrevistados. Ele, Abujamra, nós sabemos perfeitamente que gostaria de morrer como morreu".

Ao vivo, no estúdio do "Metrópolis", as atrizes Nydia Licia e Eva Wilma lembraram algumas passagens suas com o grande diretor. Foi Nydia quem levou Abujamra para a emissora. Ele faria parte do time de cinco diretores do "Teatro 2". "A gente brigava muito. Ele provocava mesmo, era o jeito dele", lembra, "mas trabalhávamos muito bem".

Para Eva Wilma foi inesquecível o primeiro dia de gravação de um programa dirigido por Abu na extinta TV Tupi ("Confissões de Penélope", 1969): "Eu entrei nervosa no estúdio, ele estava lá sentado e só me disse assim: 'me surpreenda'. Eu subi numa cama do cenário e comecei a pular. Ele falou: 'está ótimo'. Depois, essa mesma cena em câmera lenta, ficou como abertura do programa", lembra Eva. "Acho ele importante em todos os sentidos: culturalmente e afetivamente", conclui a protagonista de "Alô, Doçura" (TV Tupi, 1953 a 1964).

O ator Sérgio Mamberti aparece em vídeo para dar um depoimento emocionado: "Um grande mestre, foi o diretor que dirigiu o espetáculo de estreia na minha carreira profissional. O Abujamra é certamente um dos grandes nomes do teatro brasileiro. É uma figura extraordinária, um grande provocador. Eu não posso deixar de manifestar aqui o meu pesar, a minha tristeza e a minha emoção. Adeus, Abu!", disse Mamberti com a voz embargada e com lágrimas nos olhos.

"Um dia tudo será memória... as pessoas que andam naquela rua, as gentis, as sábias, as más, todas, todas serão memória", declamou certa vez esses versos de Antônio Brasileiro o grande artista da voz tonitruante, da mente brilhante, o grande provocador Antônio Abujamra, que certamente nunca sairá da nossa memória.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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