Renato Kramer

'A gente julga porque acha que é uma opção', diz Fábio Assunção sobre dependência química

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Fábio Assunção dirigiu recentemente a peça "Dias de Vinho e Rosas" (Days of Wine and Roses), o mesmo roteiro do filme homônimo de 1962 estrelado por Jack Lemmon e Lee Remick. Ele falou sobre o trabalho em participação no "Programa do Jô" (Globo).

"Você pegou o gosto de dirigir?", perguntou o apresentador. "Peguei", respondeu, de pronto. "Eu dirigi 'O Expresso do Pôr do Sol', que foi a primeira, e agora essa é a segunda peça. Acho que uma coisa não bate com a outra: eu gosto de trabalhar como ator", afirmou. No palco, a sua última participação foi na peça "Adultérios", de Woody Allen.

O ator resumiu rapidamente o enredo de "Dias de Vinho e Rosas". "Ela começa assim, com um tom de comédia romântica, mas os personagens desenvolvem o alcoolismo. É uma relação que tem um amor muito forte mas tem a coisa da bebida, que vai acabando com a possibilidade dessa história acontecer", declarou.

"É uma peça que a gente não montou para falar de alcoolismo. Eu vi o alcoolismo na peça como o conflito dos dois. Mas é impossível também ver a peça e não discutir isso", afirmou Assunção.

"E para você, que teve envolvimento com dependência, como foi dirigir a peça?", quis saber Jô. "Para mim foi muito bom também. Eu tinha muita reserva em falar sobre isso. Eu tinha um pouco de dificuldade de abordar o tema. Eu acho que a peça me abriu a possibilidade de falar sobre isso", confidencia o Jorge de "Tapas & Beijos" (Globo).

"Eu sempre senti você muito franco, muito aberto para discutir isso. Até porque é um problema que não é assunto de discussão cada vez que você encontra alguém", observou Jô. "É como eu falar sobre gordo, fica um pouco óbvio. Então para você ter a chance de discutir isso com duas pessoas em cena é fantástico!", concluiu o apresentador.

"Eu acho que a gente tá em outro momento do mundo também. Acho que não tem mais sentido a gente tratar as questões do ser humano de uma forma estigmatizada, ou ficar com problema de falar sobre isso", argumentou Assunção. E informou: "14% da população vive isso [alcoolismo]".


"E a gente discute todas as doenças. Se o cara é diabético, ele pode falar sobre isso, ou qualquer outro problema de saúde se pode falar sobre. A dependência química, o alcoolismo, é uma doença neurológica tratável. Mas existe um problema moral muito sério: a gente julga porque a gente acha que é uma opção", desabafou o ator, que estreou na TV como Marco Antônio na telenovela "Meu Bem, Meu Mal" (Globo), de 1990.

"Eu acho que no teu caso é uma vitória dupla: você ter a oportunidade de tratar desse assunto vendo isso exposto nos outros. Porque tem momentos em que o bêbado é engraçado, mas é engraçado para os outros", comentou Jô.

Voltando à peça, Fábio Assunção arrematou: "A sinopse da peça é isso. Agora como isso é contado é o que faz a diferença. Eu acho essa peça linda, muito especial pela maneira como ela é contada. A gente buscou uma interpretação visceral, de ser uma história contada de uma forma muito verdadeira. A minha intenção na direção era causar no público uma torcida a favor desse casal e mostrar como o álcool entra ali como um grande prejuízo", esclareceu.

"E, muitas vezes, o mais difícil é um alcoólatra assumir que é alcoólatra", comentou o apresentador. "Um dos meus melhores amigos que já faleceu era alcoólatra e nunca assumiu. Morreu também por causa disso. É triste. E todo o mundo sabe que 15% da população mundial tem tendência a se viciar", comentou Jô.

Assunção trouxe outra informação sobre o tema: "Nos Estados Unidos existem 23 milhões de pessoas que estão recuperadas. Sempre que esse assunto é falado, são mostradas as pessoas que não estão no controle disso. Para que a sociedade veja isso com outros olhos, as pessoas que estão no controle deveriam falar abertamente. Tem muita gente que já viveu esse drama e que agora vive sua vida normalmente", ressaltou o ator.

"O fato de você ser uma pessoa famosa é uma coisa que nesse sentido ajuda e atrapalha. Há um controle maior do que numa pessoa desconhecida. Ao mesmo tempo que há um incentivo muito forte, exatamente por causa disso", disse o apresentador. "Você pode se considerar um grande vencedor".

A peça "Dias de Vinho e Rosas" está em cartaz no Espaço Viga, em São Paulo. "Como eu não estou em cartaz como ator, eu estou lá todos os dias. Eu estou apaixonado pela peça", declarou Fábio Assunção, que deve acabar de gravar a quinta e última temporada de "Tapas & Beijos" em agosto.

"Vai deixar saudades para a gente. E acho que para o público também, porque muita gente vem falar do 'Tapas' para mim", concluiu o ator, indicado ao Emmy Internacional por sua participação na série global "Dalva e Herivelto: Uma Canção de Amor", exibida em 2011.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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