Renato Kramer

'É importante banalizar essas coisas', diz Lauro César Muniz sobre beijo em 'Babilônia'

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O renomado dramaturgo Lauro César Muniz esteve no "Metrópolis" (Cultura) desta segunda-feira (30) falar sobre a recente polêmica do "beijo gay" de "Babilônia" (Globo).

"Eu imaginava que esse assunto já estivesse ultrapassado", declarou o autor que adaptou "O Morro dos Ventos Uivantes" (TV Excelsior - 1967) para a televisão. "Eu já estava pensando em qual seria o próximo tabu que viria, porque sempre tem um tabu, não é? Mas esse pra mim já estava ultrapassado", comentou Muniz.

"Fiquei surpreso de ver o público estranhar o beijo das personagens. Um discurso extremamente conservador, não é?", acrescentou Lauro, que fez sucesso no horário nobre da Globo com a sua "Escalada" (1975) e "O Salvador da Pátria" (1989), entre outras.

"Acho que o Gilberto [Braga] colocou muito bem o beijo no primeiro capítulo, sabe? Para já começar dizendo a que veio: Babilônia é isso – fique conosco quem quiser, quem não quiser, tchau! Acho que a Globo bancou isso, e fez muito bem de bancar, e o Gilberto Braga colocou no primeiro capítulo e causou impacto mesmo e disse a que veio", disse Lauro.


"As novelas anteriores vinham muito mornas, sem grande impacto. De repente estreia uma novela de um grande autor de novelas e o país para, porque ele sabe dramaturgicamente colocar a cena certa no lugar certo", afirma o homem que fez de "As Pupilas do Senhor Reitor" (1970) um grande sucesso na TV Record.

"Tanto que no dia seguinte só se falava nisso, o que é muito bom! Agora, os reacionários todos, os religiosos, reagiram. Mas eu não me surpreendo, não. Da bancada evangélica você pode esperar as coisas mais retrógradas possíveis!", declarou Muniz em relação à tentativa de boicote pela bancada evangélica no Senado.

Quanto à eventual baixa audiência de "Babilônia", o autor de "Cidadão Brasileiro" (Record, 2006) declara: "É possível que tenha havido uma reação do público a esse beijo gay. As igrejas trabalham muito bem isso no ouvido dos seus fiéis, então pode ter havido realmente uma reação. Mas não acho que seja só isso. Houve um movimento geral das outras emissoras quando a novela estreou. Um contra-ataque normal: comercial, nada ideológico".

"A sociedade evolui, ela caminha. Nada fica absolutamente estático. Eu me lembro de uma época em que os pais por serem separados criavam uma situação dificílima para os filhos", lembra o autor que, tanto em "Roda de Fogo" (Globo, 1985) quanto em "Poder Paralelo" (Record, 2010), colocara discretamente dois casais gays em suas tramas.

"Em 'Roda de Fogo' a censura ainda era bastante rigorosa nessa época. Estávamos no final da ditadura militar, e ainda havia um forte ranço reacionário, um forte ranço de contestação a quaisquer movimentações no sentido de progresso. A relação dos personagens era insinuada apenas, não se podia falar claramente", conta Muniz.

Em "Poder Paralelo" a ligação das personagens Fernanda (Paloma Duarte) e Maura (Adriana Garambone) era "bastante discreta, porque é uma emissora [Record] que tem um vínculo com uma igreja evangélica, então eu era muito cuidadoso em tudo. E continua sendo lá um antro de conservadorismo, né?", esclarece o autor.

"Agora eu acho muito importante as telenovelas insistirem nessa temática porque isso vai abrindo a cabeça do público. É importante banalizar essas coisas, banalizar no melhor sentido, de tornar cotidiana, natural a relação homossexual. Porque o mundo não é dividido em homens e mulheres, há uma série de sutilezas mais. No futuro, nós nem sabemos, vai haver uma equivalência entre os casais homossexuais e heterossexuais. É a tendência natural dos tempos. Eu vejo a telenovela abrindo caminhos para o grande público assimilar isso".

Quanto aos personagens homossexuais caricaturais das novelas, Lauro declara: "Eles fazem sucesso negativamente. É quando os machistas e aqueles que são contra o homossexualismo aproveitam para apontar: estão vendo? Eles são ridículos! Nesse sentido a sociedade tem facilidade de aceitar a caricatura. Eu não gosto, por exemplo, daquela personagem que o Paulo Betti [Téo Pereira de "Império"] fez. Porque era caricatural. Eu gostava das relações honestas, das relações realistas dos gays nas novelas, mas a caricatura cria uma situação de deboche. Propõe o deboche do homossexual. Isso é grave! Não é o momento mais de se fazer uma caricatura de um homossexual", conclui Lauro César Muniz.

"Foi justamente o que eu gostei no beijo de Babilônia: duas grandes atrizes, duas das maiores atrizes do Brasil, Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, dando um beijo gay. Isso é um recado de uma importância! É um momento histórico da telenovela brasileira, da televisão brasileira!", encerra o autor, fazendo questão de lembrar que lançou recentemente uma caixa com quatro livros contendo as "Obras Completas de Lauro César Muniz" (Giostri).

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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