Renato Kramer

Ex-diretor geral da Globo diz que sofria com ciúme de Roberto Marinho em entrevista relembrada pela TV Cultura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na sequência das comemorações dos 45 anos da TV Cultura, foi ao ar nesta terça-feira (22) o "Vox Populi" gravado em 1986, com o ex-diretor geral da Rede Globo de Televisão Walter Clark (1936 - 1997).

Trata-se de uma espécie de documento histórico o depoimento de um dos homens mais importantes na formação da fase de ouro da Vênus Platinada. Walter Clark era o diretor geral da emissora e foi ele quem levou o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) para trabalhar em sua equipe.

"Eu passei todo o poder da área de produção para o Boni", declarou Walter, "porque eu era diretor geral da Globo, eu não era um homem de programação, de vendas, de administração. Eu era o arrumador geral daquela encrenca, especialmente num período de obscurantismo que houve nesse país, em que a censura era violenta, em que as pressões eram terríveis. Então, quem decidia sobre programação era o Boni. e como ele é um sujeito de bom coração, quando ele queria botar alguém na rua ele dizia que era eu que estava botando", contou Clark.

Claro que a entrevista é bastante longa e interessante para quem gosta de saber fatos da história da televisão no Brasil, mas duas perguntas de telespectadores foram destaque. "Por que você deixou a Globo", perguntou uma senhora, "foi problema com o Roberto Marinho (1904 - 2003, então proprietário das Organizações Globo)?".

"Foi um processo de apodrecimento, quer dizer, eu não tinha mais para onde ir na Globo", explicou Walter. "Eu era pressionado pelos caras de baixo, da minha equipe, e o Roberto Marinho tinha ciúme de mim porque eu aparecia muito! E era mais ou menos natural que eu aparecesse muito: eu era um sujeito que dirigia o maior centro de 'show business' do Brasil, da América Latina. Então eu era capa de revista, eu dava entrevista...e o Roberto (Marinho) se incomodava com isso! Chegou num ponto que eu não tinha mais lugar", concluiu Clark.

"O que sobrou de você na Bandeirantes?", quis saber um telespectador. Walter veio morar em São Paulo depois que deixou a Globo e foi contratado pela Band. "Eu!", respondeu com uma certa ironia o executivo de televisão. "Eu acho que conseguir ter sobrevivido à Bandeirantes foi uma tarefa bastante gloriosa", acrescentou Walter. E argumentou o seu ponto de vista: "Eu tentei imprimir um espírito à Bandeirantes e criar uma estação de alternativas. Porque você não consegue, em termos de apelação, fazer uma televisão pior do que a TVS (atual SBT) – e nem consegue fazer, em termos de produção, qualidade e acabamento, melhor do que a Globo".

E acrescentou: "São Paulo ainda tem aqui a nossa querida TV Cultura que faz uma televisão que corre numa faixa própria. A minha ideia na Bandeirantes era criar exatamente uma estação dirigida para um público de alto poder de consumo —a classe A, B1— uma televisão que não ficasse obcecada por índice de audiência, até porque índice de audiência é uma coisa muito relativa", afirmou o homem que firmou os alicerces da Rede Globo.

Crédito: Divulgação O executivo de TV Walter Clark (1936-1997)
O executivo de TV Walter Clark (1936-1997)

Mas foi mais fundo em seu raciocínio: "Se eu tiver 20% de audiência numa faixa de público sem poder de consumo, essa audiência pra mim não vale nada. Talvez valha mais 5 ou 6% com gente com poder de consumo. Essa era a minha filosofia", arremata Walter. E tinha mais: "A minha situação quando eu fui para Bandeirantes era uma situação especial e foi muito bem colocada para os donos da emissora: eu tenho um compromisso público contra o qual eu não posso me voltar. Eu tenho que fazer uma televisão de qualidade, que represente uma integração nacional", arrematou.

"Eu fui um dos caras que comprou essa ligação via satélite da Bandeirantes... E o que eu acredito é que a televisão tem que ter a sua imagem nacional, mas tem que ter também os resíduos da cultura regional emitidos para os outros centros —é complicado, é um negócio de alcance social, mas que a televisão tem que fazer. Porque senão é brincadeira, pô!", exalta-se Clark.

"Você não vai dar uma concessão de TV só para o sujeito ganhar dinheiro! A Globo ganha US$ 80 milhões de lucro por ano (isso era 1986). Se ela não prestar um serviço, tem que prender a Globo! ganhe US$ 80, 100, 200 milhões, mas presta serviço!", exclamou com energia o ex-diretor geral da Vênus Platinada. "Essa é a minha visão", ajuntou. E quanto à sua estada na Band, Walter definiu: "Eu não fracassei na Bandeirantes. A Bandeirantes fracassou comigo".

Considerado um mito pela sua atuação na televisão brasileira, especialmente por suas conquistas na Rede Globo, chamado até de "Rei Midas" pelo jornalista Carlos Lacerda, na extinta revista Manchete, Walter desabafou: "Eu quero desmistificar o Walter Clark! O Walter Clark, por uma série de conjunções e coisas que aconteceram na vida, virou um mito, um sinônimo de sucesso —e isso é uma coisa insuportável! Eu sou um ser humano normal e falível como qualquer um de nós, graças a Deus!".

No momento em que deu essa entrevista ao "Vox Populi" da TV Cultura, Walter Clark estava começando a produzir no Brasil o musical, sucesso na Broadway, "A Chorus Line", com verba própria. Foi Marília Gabriela quem apareceu para perguntar-lhe o porquê desse investimento no teatro, ele que já tinha tudo, fama, consagração profissional e riqueza. "Saí da televisão aos 40 anos. Vou ficar na beira da piscina tomando vinho branco? Não dá!", retrucou o poderoso Walter Clark, que mandava até no próprio Boni, quando diretor geral da emissora —cargo em que ficou por pouco mais de dez anos, até deixar a Globo em suas mãos.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias