Renato Kramer

Ainda bem que teve o "Especial do Rei"!

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Natal sem Roberto Carlos seria imperdoável. Melhor só se fosse um daqueles bem produzidos especiais inéditos, mas reprise ou não, ainda bem que teve o 'especial do rei'.

O show fez parte do projeto "Emoções em Jerusalém", e foi realizado em setembro deste ano. O palco suntuoso, montado no Sultan's Pool, reproduzia alguns lugares importantes da Cidade Velha: o Muro das Lamentações, a Igreja do Santo Sepulcro e a Mesquita de Al-Aqsa, retratando a pluralidade religiosa e o desejo de que possa haver paz entre os povos.

A apresentadora Glória Maria foi quem veio anunciar o cantor. Visivelmente comovida, quase lhe faltou a voz na hora de chamar Roberto Carlos. E lá veio o 'rei', todo de branco. Pronto, chegou o que faltava para o Natal ficar completo.

Reprise ou não, já não importava. O cantor, que por décadas emociona o Brasil com a sua "forma simples de falar de amor" --como ele próprio cita na sua canção "Jovens Tardes de Domingo" (com Erasmo Carlos), mantém o carisma e o mito que o envolve desde os anos sessenta.

"Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo", canta Roberto Carlos. "Emoções", é a primeira canção, dele e de Erasmo também --como a grande maioria do seu repertório. Logo após cantá-la, Roberto diz para a plateia que teria muita coisa para dizer, mas que prefere dizer cantando "que é o que eu melhor sei fazer". E canta então "Além do Horizonte". A cenografia e a iluminação do show são belíssimas. Mas se fechamos os olhos por segundos que seja, lembramos de imediato aonde estávamos e quem nos cercava quando essa música estourou nas paradas.

E a viagem está só começando. A voz de Roberto Carlos faz parte da memória afetiva de dez entre dez brasileiros. Em seguida vem "Como Vai Você" (Antônio Marcos e Mário Marcos). E arrepia a alma. Lembro que, quando se ouvia essa canção no rádio, no início dos anos setenta, tinha-se a nítida impressão de que Roberto falava com a gente. E esse talvez seja um dos seus segredos: ele fala com a gente e como a gente.

"Eu acho que todo o mundo sabe que eu gosto de cantar o amor. Toda a forma de amor vale uma canção. O amor é uma fonte inesgotável de inspiração", diz o cantor antes de dar início à suave e encantadora "Como é Grande o Meu Amor por Você". Logo depois vem a preferida do 'rei': "Detalhes', que Roberto cantou em quatro línguas: português, espanhol, italiano e inglês.

Mas, mesmo que fosse em aramaico, reconheceríamos a sua voz nos dizendo: "não adianta nem tentar me esquecer...durante muito tempo em sua vida eu vou viver". No fundo, no fundo, Roberto Carlos sabe que nem tentaremos esquecê-lo. Ele conquistou um lugar cativo em nossos corações. Para mexer ainda mais com a emoção, o 'rei' entra com "Outra Vez"(Isolda). A plateia canta junto com ele essa joia rara composta por Isolda, consagrada na voz do maior ídolo pop brasileiro de todos os tempos.

Para derrubar o fã que ainda estivesse se segurando, Roberto Carlos lembra: "todos somos frutos de um amor incondicional...um amor incondicional de mãe". E canta "Lady Laura". Aí, desabo. Minha mãe, que era uma mulher de personalidade muito forte e avessa à idolatrias, tinha verdadeira adoração pelo "Robertinho", como ela o chamava. Nas últimas vezes que pude visitá-la em Porto Alegre, mal largava a bagagem no quarto e ela colocava o disco do Roberto para tocar "Lady Laura", no último volume. Ela tinha todos os LPs do rei. Era o meu presente de Natal de todos os anos.

Falando nisso, lembrei de um episódio que poderia chamar, parodiando o filme homônimo, "O Rei e Eu". Estava no Rio para passar um fim de semana com uma amiga do teatro, a atriz Nair Cristina Pacheco - que vivia a personagem Zina em "Marron Glacê" (Rede Globo - 1979), quando recebo um convite que mais parecia uma 'pegadinha'.

"A Myrian Rios me ligou convidando para passearmos de iate com ela e o Roberto Carlos, vamos?". Me perguntou Nair Cristina. "Ah, tá!", respondi só pra concordar logo, pois nem por um segundo aquilo me pareceu real. Combinado.

Na manhã seguinte, um domingo muito ensolarado, toca o interfone e lá fomos nós. Descemos e lá embaixo entramos num Ford Galaxy preto com vidros escuros. No banco detrás já nos aguardava a atriz Myrian Rios. Até aí achei viável, pois as duas eram colegas da mesma novela. Então chegamos na 'marina' e o carrão entrou, parando em frente a uma escadinha que levava a um iate. Myrian só pediu que descêssemos rápido porque havia "paparazzi" por todo o lado sondando o novo casal. Como eu é que estava na porta que dava para a escada, fui o primeiro a descer. Fui ligeiro em direção à porta do iate e bati.

A porta se abriu rapidamente e Roberto Carlos me recebeu, estendendo a mão, com um grande sorriso. "É um amigo de São Paulo", disse Myrian. "Se é amigo da Myrian é meu amigo também", escutei dizer aquela voz que ouvira toda a minha vida cantando no rádio, na televisão e nos discos. Dei-lhe a mão rapidamente, e, me fingindo de morto, entrei e me sentei no primeiro lugar que encontrei. De lá é que voltei o olhar para o cara que me havia recebido, com calma e disfarçando a respiração. E era ele mesmo. Não era pegadinha.

Era o famoso e querido cantor Roberto Carlos, ali, em pessoa. "Minha mãe vai ficar louca quando souber!", foi a primeira coisa que me veio à cabeça. A sensação de ver-se frente a frente com um ídolo é muito estranha. Mas, como também sou discípulo do "Pequeno Príncipe" (Saint- Exupéry): "quando o mistério é por demais impressionante, a gente não ousa desobedecer".

Passeamos no iate "Lady Laura" das onze da manhã até às 18h daquele domingo, e éramos ao todo umas doze pessoas. Mais tarde, seus filhos Dudu e Luciana juntaram-se a nós. Almoçamos a bordo e tudo. Eu, é claro, segurei a 'tietagem' o tempo todo. Não é do meu feitio, e nem eu queria me tornar inconveniente. Mas as vezes me pegava olhando pro Roberto como quem olha numa vitrine. Minha amiga me dava uns pequenos cutucões e eu voltava à real.

Marinheiro de primeira viagem, literalmente, comecei a enjoar. Nair se aproximou e comentou discretamente que eu estava pálido. Segredei ao ouvido dela que estava zonzo e muito enjoado, mas que jamais vomitaria no iate do Roberto Carlos - era só o que faltava!

Consegui segurar. E foi um evento estilo 'ilha da fantasia'. Até hoje não parece que foi verdade.

No final da tarde, Roberto Carlos, com seu impecável terno branco, aparece para todos e avisa que está pronto para o show que teria que fazer no Canecão, naquela noite. Quando me dei conta de que ele ia partir e eu não tinha nada, nem tirado foto, nem uma lembrança para a minha mãe, criei coragem e pedi-lhe: "Roberto, se a minha mãe souber que estive com você e não peguei um autógrafo pra ela, ela não vai me perdoar". Ele abriu um sorrisão, pegou uma caneta e uma folha de papel e foi logo me perguntando o nome dela. "Julieta", respondi. E ele, o seu único ídolo, escreveu: "Para a Dona Julieta, com todo o meu carinho, Roberto Carlos".

Me devolveu a caneta bic, que nem era minha mas fiquei de lembrança, e o autógrafo, que minha mãe guardou em sua mesa de cabeceira por toda a sua vida.

No palco em Jerusalém, o mesmo rei encantador continua dando um show de emoção e simpatia. Cantou ainda outros grandes sucessos seus. Cantou também "Ave Maria", "Caruso"(Lucio Dalla) e "Unforgetable"(Irving Gordon). Na parte instrumental desta última, tirou Glória Maria para dançar. A jornalista parecia viver o 'sonho da Cinderela", com direito a vestido vaporoso e tudo. No final do show, ela foi a primeira a receber uma rosa vermelha.

Foi ovacionado ao cantar "Jerusalém de Ouro"(Naomi Shemer), em português e depois em hebraico. Um coral de trinta vozes o acompanhou. Comovente. Despediu-se com "Jesus Cristo".

Este é Roberto Carlos. Que queria ter um milhão de amigos, conseguiu muito mais do que isso, e tem um milhão de motivos para ter se tornado o "rei".

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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