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Vinte anos após sua morte, trapalhão Mussum ganha primeira biografia

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Peça a alguém para descrever Mussum e é provável que a imagem invocada inclua uma garrafa de "mé", uma careta e uma resposta atravessada, em mau português, para uma piada sobre o fato de ele ser "negão".

Ganha biografia agora o trapalhão nascido Antônio Carlos Bernardes Gomes, no Rio, em 1941. Ele foi do tempo em que o humor nem esbarrava na correção política.

A imagem pintada no livro se afasta da que povoa o imaginário de quem cresceu vendo Mussum pedir "ampola de suco de cevadis" num bar.

O autor, o paulista Juliano Barreto, descreve em sua primeira obra do gênero um Mussum estudioso. Cabo da aeronáutica, trocou a carreira militar pela música.

O álcool está lá, mas, diz o autor, o personagem bebia mais que o ator.

Bebia, sim. Bastante. A ponto de roubar birita de despacho em encruzilhada. Mas tinha estratégias para evitar vexame, como encher a barriga antes do porre e tirar sonecas no meio da farra.

O humor foi acidental. Mussum tocava na TV com Os Originais do Samba. Um dia, nos 1960, precisou tapar um buraco em um humorístico de Grande Otelo. O protagonista errou em cena, e o então Carlinhos riu. Otelo, furioso, xingou o coadjuvante, ao vivo, de muçum (peixe preto).

Rebatizado, foi chamado em 1972 para atuar com Renato Aragão e Dedé Santana. "Disse ao Renato para colocar um afrodescendente no programa", diz Dedé. Já Aragão fala que viu Mussum na TV e disse a Dedé:

"Procura esse negão, ele é bom. A gente dá polimento, dá frases pequenas para ele ir entrando".

Com o dialeto de "is", ideia de Chico Anysio, o negão vingou na TV e deixou o samba.

A biografia é autorizada, mas a família não proibiu temas, segundo Barreto e o advogado Augusto Gomes, 48, filho mais velho de Mussum.

Ao descrever o pai, ele afirma que era "duro, mas justo" nas demandas para que os filhos estudassem. "Ouvíamos muita música em casa: latina, jazz, samba. Era alegre."


CARREIRA MUSICAL

A maior surpresa encontrada em três anos de pesquisa sobre a vida do trapalhão morto há 20 anos foi sua importância para a música, diz Barreto, autor da biografia "Mussum Forévis".

Frequentador das rodas de samba da Mangueira, Mussum começou na vida artística tocando reco-reco no conjunto Os Modernos do Samba. Depois fez parte d'Os Originais do Samba, que iniciaram a carreira com Elza Soares na casa noturna Fred's, no Rio.

Os músicos ganharam a primeira Bienal do Samba, promovida pela Record em 1968, acompanhando Elis Regina na canção "Lapinha". Na década de 1970, Os Originais do Samba foram a banda de apoio de Jair Rodrigues em shows na Europa.

Para Jorge Ben Jor, que deu ao grupo o hit "Cadê Tereza", o conjunto de Mussum foi um grande sucesso justamente por ser, como dizia o nome, original. Os músicos "faziam um som só deles", diz Jor.

"Foi surpreendente ver o tamanho dos Originais do Samba. Eles chegaram a vender mais que o Roberto Carlos e o Michael Jackson nos anos 1970", diz Barreto.

Elza Soares, que foi amiga de Mussum até o fim de sua vida, ressalta que, apesar de terem feito sucesso na época, os Originais não têm hoje o reconhecimento merecido.

Sobre o amigo, define: "Ele era um bandidão, um sacana. Eu xingava muito ele porque ele era um safado", diz a cantora, referindo-se às piadas e aos apelidos que o palhaço dava aos amigos.

A faceta sambista de Mussum foi eclipsada pelo sucesso dos Trapalhões. Quando foi convidado por Dedé Santana, de quem já era amigo, para integrar o grupo, Mussum relutou.

"Ele dizia para mim: 'Compadre, não sou humorista, sou tocador de reco-reco'. E eu falava: 'Você é um grande comediante, cara, você é quem não sabe'", diz Dedé.

Quando Mussum se convenceu, seu empresário autorizou a participação nos "Trapalhões" desde que não atrapalhasse a rotina da banda. Como os shows eram de sexta a domingo e as gravações na TV, no início da semana, ele foi liberado.

Renato Aragão conta que, no início, dava frases curtas para Mussum decorar. "Ele foi se polindo, melhorando. De repente, era mais humorista que sambista", diz.

No programa, Mussum aparecia com frequência em bares, "dando um tapa no beiço". Era chamado pelos colegas de "negão", e retrucava: "Negão é o seu passadis!". Politicamente incorreto, era adorado por crianças.

Gilmar de Carvalho, pesquisador e autor de "A Televisão no Ceará" (Omni Editora), não vê racismo na caracterização de Mussum.

"Ele podia não dominar 'a norma culta', mas não era ignorante. Era astuto, adotava estratégias de sobrevivência que ficavam claras no texto e fazia as crianças torcerem por ele", diz.

MUSSUM FORÉVIS
AUTOR Juliano Barreto
EDITORA Leya
QUANTO R$ 49,90 (432 págs.)

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